São Paulo, quinta-feira, 05 de agosto de 2004

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TENDÊNCIAS/DEBATES

Ser e parecer

CLÁUDIO MAIEROVITCH PESSANHA HENRIQUES

Na semana passada, o ex-secretário de vigilância sanitária Antonio Carlos Zanini, em artigo publicado neste jornal, questionou os critérios, os procedimentos e a própria seriedade da Anvisa, Agência Nacional de Vigilância Sanitária ("Informação enganosa e remédios suspeitos", "Tendências/Debates", pág. A3, 30/7). Misturou conceitos, distorceu legislações e informações num desserviço à saúde pública. Deu-nos, no entanto, a oportunidade de trazer algumas informações e reflexões.
Lembremos que a Anvisa surgiu como resposta à incapacidade da antiga Secretaria de Vigilância Sanitária de garantir a qualidade dos medicamentos e produtos à disposição do povo brasileiro. Foram sucessivas tragédias, envolvendo desde contraceptivos de farinha até falsos medicamentos oncológicos, inaceitáveis em qualquer ambiente onde exista uma ínfima preocupação com a saúde. Sociedade e governo brasileiros tomavam consciência de que o modelo de atuação da área não estava nem sequer perto do estágio de desenvolvimento do país.
Nesse cenário surgiu a Anvisa, com novos recursos, autonomia político-administrativa, devedora de satisfações ao Ministério da Saúde, o responsável pela política de saúde do país. Ela integra uma rede nacional que atua descentralizada e solidariamente, composta pelas secretarias estaduais e municipais, em acordo com as diretrizes do Sistema Único de Saúde. Acrescentando velocidade às mudanças, a Câmara dos Deputados posicionou-se de maneira incisiva a partir da criação da CPI dos Medicamentos, cobrando melhorias urgentes.


A Anvisa fez valer paradigmas fundamentais na garantia de qualidade dos medicamentos


Ao longo desses cinco anos, contrariando poderosos interesses econômicos, a Anvisa fez valer paradigmas fundamentais na garantia de qualidade dos medicamentos. Atualmente, todos os medicamentos à disposição no mercado brasileiro, inclusive os importados, são produzidos em indústrias inspecionadas periodicamente e certificadas pela Anvisa, conforme padrões reconhecidos internacionalmente.
Os medicamentos genéricos inauguraram a obrigatoriedade dos testes de bioequivalência para a aprovação dos registros que autorizam a comercialização. Tais critérios, aplicados desde 1999 aos genéricos, passam a ser exigidos paulatinamente do conjunto dos medicamentos existentes no mercado, a partir de um calendário de adequação que obedece a parâmetros de risco. Trata-se de uma grande transformação, cobrada há tempos pelas entidades dedicadas à defesa do consumidor.
Na busca de transparência, a Anvisa vem implantando os instrumentos do apelidado "governo eletrônico", possibilitando o acompanhamento de processos pela internet e a divulgação das informações que não são protegidas por sigilo legal, em cumprimento da lei nš 10.603/2002. Evidente que nossos sistemas precisam de aperfeiçoamento no que se refere ao acesso a informações administrativas, mas isso não basta. É preciso superar o viés que marca as publicações científicas e interessa tanto às indústrias, com resultados positivos de pesquisas sendo difundidos com muita facilidade, enquanto estudos que os contrariam recebem pouco ou nenhum espaço.
Não deve ficar sem esclarecimento a confusão do dr. Zanini quando supõe que a data da concessão do registro do imunossupressor ciclosporina, da Abbott, como genérico, no dia 7 de maio de 2001, estava associada a interesses comerciais em licitação da Secretaria de Saúde do Estado de São Paulo, em 15 de maio do mesmo ano. Confunde medicamento genérico com similar e omite que a ciclosporina vencedora da licitação em São Paulo foi o Gengraf, da Abbott, similar registrado em 29 de setembro de 2000. Ao embaralhar dados, põe em dúvida a qualidade do produto e traz pânico a pessoas que precisam da medicação.
Zanini ainda menciona casos de corrupção na vigilância sanitária. Denúncias nesse sentido no serviço público fazem parte da história das organizações, especialmente quando atravessam um longo período de ditaduras, como bem sabe o dr. Zanini, que conviveu com esses fatos quando dirigiu a extinta secretaria. Esperamos que se tornem, cada vez mais, uma distante lembrança e a superação de um triste passado.
Ao longo desses cinco anos de experiência na Anvisa, a fiscalização, o rigor e a busca constante pela transparência nas ações da agência foram elogiados e reconhecidos por diversos organismos, inclusive a Organização Mundial da Saúde.
Por fim, é oportuno informar que a Anvisa dispõe de um conjunto de mecanismos internos de controle, dentre os quais destacamos três: a ouvidoria, que recebe as críticas, reclamações e sugestões dos diversos segmentos da sociedade e pode ser contatada por seu endereço eletrônico (ouvidoria@anvisa.gov. br) ou telefone (0/xx/61/448-1235 e 448-1464); a corregedoria, que analisa todas as suspeitas de desvio de conduta e pune aquelas comprovadas -desde sua criação, em março de 2001, instaurou 154 procedimentos disciplinares, com a adoção de medidas de correição e punição de 27 servidores; e a auditoria, que avalia a gestão dos recursos utilizados diretamente pela agência e pelas instituições a que ela os destina.

Cláudio Maierovitch Pessanha Henriques, 43, médico sanitarista, é diretor-presidente da Anvisa. Foi secretário de Saúde de Santos (1993-96).


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