São Paulo, sábado, 05 de agosto de 2006

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

ANTÔNIO GOIS

A culpa é dos pobres

RIO DE JANEIRO - A recente onda de violência em São Paulo e a discussão sobre a pobreza brasileira em ano de eleição trouxeram à tona um fantasma que muitos consideravam já devidamente enterrado, mas que ressurgiu em cartas, artigos e editoriais de jornais. É o discurso de que é preciso diminuir o número de filhos dos pobres para combater a pobreza e a criminalidade. A tese é sedutora. Se há muita violência nas ruas, a culpa é dos pobres que têm muitos filhos. Se há muita pobreza, a culpa é igualmente dos pobres por terem nascido. É um belíssimo bode expiatório, mas não resiste aos fatos. Apesar de ainda haver significativas diferenças nas taxas de fecundidade entre ricos e pobres, uma análise do Censo do IBGE mostra que, de 1980 para 2000, o número médio de filhos por mulher caiu de 4,4 para 2,4. Essa queda foi, inclusive, mais acentuada entre as mulheres com renda familiar menor do que um salário mínimo. Elas tinham, em média, seis filhos e passaram a ter 3,2. Nesse mesmo período em que a fecundidade dos mais pobres caiu pela metade, as taxas de homicídio no país mais que dobraram, passando de 11,7 por 100 mil habitantes para 27 por 100 mil. A pobreza caiu levemente (de 40% da população em 1981 para 34% em 2001), mas a análise da série histórica ano a ano mostra que a redução tem a ver principalmente com fatores econômicos, como os planos Cruzado e Real. Dar informação e meios para que todos tenham condições de decidir quantos filhos querem ter é, sem dúvida, um dever do Estado. Só não vale culpar os pobres pela omissão do poder público. Eles estão fazendo a parte deles.

agois@folhasp.com.br

Texto Anterior: Brasília - Fernando Rodrigues: Um país volúvel
Próximo Texto: Luciano Mendes de Almeida: Quero agradecer
Índice



Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.