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CLÓVIS ROSSI
O saco de cadáveres
SÃO PAULO - O mais acabado retrato da globalização corporativa, como
a chamam seus críticos, está na capa
de ontem desta Folha: é a foto de um
saco branco no qual jaz um cidadão
africano (de Serra Leoa), morto durante a tentativa de chegar clandestinamente a Santos.
É, rigorosamente, o fim do mundo:
cidadãos do país mais miserável do
planeta (um dos quatro em que a distribuição de renda é mais obscena
ainda do que no Brasil) se matam
para chegar à miséria brasileira.
Tem-se aí o seguinte: enquanto o
Eldorado não chega nem remotamente à periferia, os habitantes dos
países periféricos fogem de qualquer
modo em busca do Eldorado.
Como o Eldorado principal (os países ricos ou mais ou menos ricos, como Espanha) fecha crescentemente
as suas portas, o desespero empurra
os africanos até para o Brasil.
Tudo somado, não há como discordar do artigo que Boaventura de
Sousa Santos, catedrático da Universidade portuguesa de Coimbra, publicou ontem nesta Folha para discutir o fracasso da Rio+10, a conferência convocada justamente para enfrentar os problemas do desenvolvimento sustentado.
O problema é que Boaventura joga
todas as suas esperanças no Fórum
Social Mundial-2003, a realizar-se de
novo em Porto Alegre, por ser "a única reunião internacional sobre temas
da globalização em que as empresas
multinacionais não têm poder para
estabelecer a agenda e definir os critérios de ação".
É verdade, mas não basta: o problema já não é mais de agenda nem de
critérios de ação, mas de ação propriamente dita. E ação depende, um
pouco, de governos nacionais e, muito, de coalizões internacionais.
Porto Alegre daria as bênçãos a
qualquer um dos governos recentemente eleitos (Bush, Berlusconi, Álvaro Uribe, Chirac, a democracia
cristã holandesa etc. etc. etc.)?
É pena, mas a perspectiva é a de ver
mais sacos cheios de cadáveres.
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