São Paulo, quinta-feira, 05 de setembro de 2002

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CLÓVIS ROSSI

O saco de cadáveres

SÃO PAULO - O mais acabado retrato da globalização corporativa, como a chamam seus críticos, está na capa de ontem desta Folha: é a foto de um saco branco no qual jaz um cidadão africano (de Serra Leoa), morto durante a tentativa de chegar clandestinamente a Santos.
É, rigorosamente, o fim do mundo: cidadãos do país mais miserável do planeta (um dos quatro em que a distribuição de renda é mais obscena ainda do que no Brasil) se matam para chegar à miséria brasileira.
Tem-se aí o seguinte: enquanto o Eldorado não chega nem remotamente à periferia, os habitantes dos países periféricos fogem de qualquer modo em busca do Eldorado.
Como o Eldorado principal (os países ricos ou mais ou menos ricos, como Espanha) fecha crescentemente as suas portas, o desespero empurra os africanos até para o Brasil.
Tudo somado, não há como discordar do artigo que Boaventura de Sousa Santos, catedrático da Universidade portuguesa de Coimbra, publicou ontem nesta Folha para discutir o fracasso da Rio+10, a conferência convocada justamente para enfrentar os problemas do desenvolvimento sustentado.
O problema é que Boaventura joga todas as suas esperanças no Fórum Social Mundial-2003, a realizar-se de novo em Porto Alegre, por ser "a única reunião internacional sobre temas da globalização em que as empresas multinacionais não têm poder para estabelecer a agenda e definir os critérios de ação".
É verdade, mas não basta: o problema já não é mais de agenda nem de critérios de ação, mas de ação propriamente dita. E ação depende, um pouco, de governos nacionais e, muito, de coalizões internacionais.
Porto Alegre daria as bênçãos a qualquer um dos governos recentemente eleitos (Bush, Berlusconi, Álvaro Uribe, Chirac, a democracia cristã holandesa etc. etc. etc.)?
É pena, mas a perspectiva é a de ver mais sacos cheios de cadáveres.



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