São Paulo, sexta-feira, 05 de novembro de 2004

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CLÓVIS ROSSI

Fatos e "spin"

MIAMI - O pavor de todo repórter inseguro, como é o meu caso, é o de não conseguir as informações necessárias para preparar seu texto corretamente. Pelo menos nos Estados Unidos, meu pânico é inverso: temo afogar-me na inacreditável quantidade de informações que brotam de todos os poros do gigante.
Agora, no entanto, está-se apresentado uma nova razão para pânico -e não é apenas nos Estados Unidos, mas no mundo todo (e, a bem da verdade, nem é tão recente): o "spin". Vem a ser o velho (e mau) dourar a pílula, fazer algum evento parecer mais favorável do que de fato é.
Exemplos concretos de "spin", ambos aliás fracassados: o pessoal de John Kerry continuar insistindo, na TV, que era possível ganhar a Flórida quando já haviam sido apurados 90% dos votos e a vantagem de Bush mantinha-se inalterada em quatro pontos percentuais havia horas.
Exemplo 2: a inacreditável teoria de gente do PT de que foi Eduardo Suplicy quem derrotou sua ex-mulher. É "spin" tupiniquim: pobre, quase ridículo.
O problema não é o "spin" em si. É o fato de que ele distorce o comportamento das fontes de informação. Antes, especialmente nos EUA, sempre havia alguém disposto a conversar com os jornalistas ou "off the records" (sem que seu nome aparecesse) ou "background" (apenas para informação do repórter).
Esse pessoal era movido, em geral, pela noção de "accountability", ou seja, a compreensão de que políticos devem prestar contas ao público, sendo os jornalistas meros intermediários entre uns e outros (se honestos ou não, é outra discussão, que não cabe aqui e agora).
Com a disseminação do "spin", a prestação de contas já vem enviesada e se torna muito mais complicado chegar ao xis da questão, seja qual for a questão.
O que o leitor tem a ver com isso? Tudo: no fim das contas, é ele o destinatário tanto da "accountability" como do "spin" e, portanto, tem, como o repórter, de navegar em águas nem sempre cristalinas.


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