São Paulo, sexta-feira, 05 de novembro de 2004

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ELIANE CANTANHÊDE

Para Fidel

RIO DE JANEIRO - Atenção sr. Fidel Castro, presidente eterno de Cuba: alguém está boicotando gestos de simpatia do governo brasileiro em sua direção.
O Itamaraty pôs e o Planalto retirou de última hora a referência que o presidente Lula faria ontem a Cuba como "nação-irmã" dos países latino-americanos e a defesa de uma "ampliação do diálogo" com a ilha de Fidel.
Segundo o assessor internacional da Presidência, Marco Aurélio Garcia, essa referência nunca houve nos esboços de discurso, a não ser que tenha sido "psicografada". Sinto muito, mas não sou médium, sou repórter. Vi a cópia com os olhos que a terra um dia há de me comer. Ou será que há dois Itamaratys? Ou dois governos? O tira-e-põe Cuba do discurso que Lula acabou fazendo ontem, na abertura da reunião de 12 dos 19 países das três Américas que compõem o Grupo do Rio, foi um recuo inexplicável.
A defesa de uma ampliação do diálogo tinha sido apresentada pelo Brasil já na reunião preparatória de Brasília, em agosto, e rechaçada por parte dos países. Especialmente, claro, os da América Central, mais atrelados aos Estados Unidos e mais sujeitos aos seus interesses e pressões.
Supõe-se que esse não seja o caso do Brasil, que exercita uma política externa auto-proclamada de "ativa" e "pró-ativa" e onde uma penca de ministros veio da esquerda e tem imensa simpatia por Fidel. Um deles, e justamente o mais forte, é José Dirceu. Ele não só viveu na ilha como chora ao se encontrar com Fidel.
Uma política externa ousada e corajosa comporta, sim, a defesa da ampliação do diálogo com Cuba, mesmo que o tema não esteja formalmente na pauta do encontro. Até porque diálogo é o mínimo que se espera entre nações civilizadas, e isso não significa concordar com o regime de Fidel. Ao contrário, pode até facilitar alguma revisão dele.
A versão original do discurso de Lula conferia mais grandeza ao presidente e a seu governo. O recuo foi mesquinho.


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