São Paulo, terça-feira, 05 de dezembro de 2006

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

Design em alta

ADÉLIA BORGES

A Embraer foi escolhida pelo Conselho Diretor do Museu da Casa Brasileira como a empresa homenageada deste ano

DESIGN ERA uma palavra pouco conhecida e compreendida quando, em 1986, o Museu da Casa Brasileira criou um prêmio para incentivar a sua disseminação.
Contrariando a tônica de nossa história, que é a de um administrador público interromper o que o anterior fez, essa iniciativa pioneira sobreviveu às mudanças de governo e se tornou a premiação de design de produto com maior longevidade no país.
Por ser realizado por uma instituição cultural pública, pertencente ao governo do Estado de São Paulo, e agregar em torno de si personalidades importantes tanto da área do projeto quanto da produção teórica, se credenciou ano a ano como o grande termômetro e, ao mesmo tempo, o grande incentivador do design brasileiro.
Ao longo das duas últimas décadas, o design passou por profundas transformações no país. Um marco importante foi a abertura do mercado nacional para a importação de produtos, em 1990, que possibilitou que o consumidor cotejasse produtos nacionais e estrangeiros num mesmo segmento, trazendo como efeito direto o desestímulo à prática da cópia, até então imperante em nossa indústria.
Em 1995, o governo federal criou o Programa Brasileiro de Design, com a preocupação do desenvolvimento de uma "marca Brasil". Outro empurrão foi a criação, em 2001, pelo Sebrae, do Programa Cara Brasileira, que estimulou uma saudável indagação sobre as nossas multifacetadas identidades.
No campo político, o impeachment do presidente da República, desencadeado pelos caras-pintadas, foi um momento-chave em que o sentimento de vergonha em relação ao próprio país começou a dar lugar ao sentimento de esperança. A partir daí, o "orgulho de ser brasileiro" se tornou mote publicitário -de companhias aéreas a redes de supermercado.
Essas mudanças todas têm reflexo imediato em nossa cultura material. Designers que há muito vinham "pregando no deserto", com dificuldades de venda diante de um consumidor mais interessado nos signos de modernidade vindos de Milão, por exemplo, passaram a ver um interesse renovado por seu trabalho.
Um dos exemplos mais significativos é o do carioca Sergio Rodrigues, que, em 1961, arrebatou um prêmio na Itália para a sua poltrona Mole, mas que, nas décadas de 80 e 90, vinha amargando um refluxo nas vendas até que uma empresa do Paraná decidiu colocar suas criações em linha de produção, com enorme aceitação. Aos 79 anos, Rodrigues, humildemente, não se furtou à avaliação dos pares e conquistou, neste ano, o primeiro lugar em mobiliário no Prêmio Design com a poltrona Diz, prova de que continua uma usina de criação.
Se, há alguns anos, o comportamento geral dos designers era também mirar em exemplos do exterior, seja a influência alemã, predominante no ensino de design no Brasil, iniciado com a criação da Escola Superior de Desenho Industrial, no Rio de Janeiro, em 1962, seja a mais recente influência italiana, sobretudo a partir dos anos 90 surgiu uma geração disposta a dar suas próprias respostas. O exemplo mais conhecido é o dos irmãos Humberto e Fernando Campana, verdadeiros "pop stars" do design internacional, festejados onde quer que estejam. Críticos internacionais sempre apontam um forte "DNA brasileiro" em seu trabalho, em cuja base está a atitude inventiva de nosso povo, de tirar partido dos materiais e tecnologias disponíveis, mesmo improvisados e banais.
Outro exemplo do nosso design que faz sucesso em todo o mundo é a Embraer, que foi escolhida pelo Conselho Diretor do Museu da Casa Brasileira como a empresa homenageada deste ano. Seu sucesso comercial passou a ocorrer quando ela deixou de querer competir na mesma raia das concorrentes internacionais e passou a buscar soluções para problemas nossos. Em vez de aviões grandes, decidiu projetar um veículo robusto, pequeno, capaz de aterrissar nas pistas precárias do território nacional -condição que, viu-se depois, não era prerrogativa do nosso país. Assim, desde o Bandeirantes, a empresa iniciou uma escalada ascendente e hoje só está atrás da Boeing e da Airbus.
Hoje à noite, no Museu da Casa Brasileira, o prêmio da Embraer será entregue por José Mindlin, um dos primeiros empresários a disseminar a idéia de que design não é uma frivolidade estética, mas um componente essencial para a qualidade de nossos produtos e, portanto, para a economia do país. Nesses 20 anos, sob a liderança de nomes como o dele, muita coisa já se fez, mas, sem dúvida, muitas ainda precisam ser feitas.


ADÉLIA BORGES, 55, professora de história do design, dirige o Museu da Casa Brasileira desde 2003.

Texto Anterior: TENDÊNCIAS/DEBATES
José Carlos Aleluia: O verdadeiro apagão de energia elétrica

Próximo Texto: Painel do Leitor
Índice


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.