|
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
Pretorianismo na Venezuela
JORGE ZAVERUCHA
Ao contrário de Bresser, digo que a Venezuela não tem um regime democrático. Mas isso não significa dizer que haja uma ditadura
O EX-MINISTRO Bresser-Pereira publicou na Folha (Dinheiro, pág. B2, 3/12) o artigo "Democracia na Venezuela". Defende que
o "regime político existente na Venezuela é democrático". Fundamenta-se no que julga serem os requisitos essenciais de uma democracia: Estado
de Direito, liberdade de pensamento
e de imprensa e eleições livres.
Existem várias definições de democracia. Para todos os gostos. Escolher
uma delas não é problemático. Inclusive há a tentação de achar que democracia consiste na confluência de todas as coisas boas, tal como se fez,
analogamente, com o conceito de socialismo nos anos 60.
A grande divisão conceitual, como a
Venezuela evidencia, gira em torno da
democracia de procedimentos ("burguesa") e a democracia substantiva
("popular"). Os requisitos elencados
por Bresser-Pereira em seu artigo são
de caráter procedimental.
Infelizmente, ele não incluiu o controle civil sobre os militares como um
desses requisitos. Tampouco explicitou a diferença entre regime e governo democrático.
Regime é conceito mais amplo que
governo. Envolve não apenas o aspecto eleitoral mas também a institucionalização de regras (in)formais que
governam os relevantes atores políticos em todo o sistema político. Portanto, é possível existir democracia
eleitoral sem que o regime seja, necessariamente, democrático.
Ao contrário de Bresser-Pereira,
afirmo que a Venezuela não possui
um regime democrático. Isso não significa dizer que haja uma ditadura. A
própria ligação de Chávez com a democracia é instrumental. Costuma
celebrar com parada o aniversário do
fracassado golpe de Estado de 1992.
Vestido com uniforme militar.
Difícil aceitar que haja um Estado
de Direito na Venezuela. Não há segurança jurídica, dentre outros motivos,
pelo fato de o vago projeto socialista
bolivariano pôr em xeque a propriedade privada. Além do mais, Chávez
conseguiu aumentar o número de juízes do Tribunal Supremo de Justiça
de 20 para 32, garantindo sua supremacia nessa corte. Uma manobra a la
Carlos Menem, ex-presidente da nossa vizinha Argentina.
Chávez ganhou de um Congresso
subordinado a Lei Habilitante. Por
ela, o presidente pode, durante 18 meses, governar por meio de decretos
emitidos com valor e força de lei.
A liberdade de pensamento, por sua
vez, é matéria controversa entre os
estudantes, jornalistas e intelectuais
venezuelanos.
Um ponto ignorado pelo ex-ministro Bresser-Pereira foram as iniciativas de Chávez em relação aos militares. Seguindo o modelo brasileiro, o
presidente venezuelano patrocinou
na Constituição de 1999 a cessão às
Forças Armadas do papel de manutenção da ordem interna.
Ele também retirou do Congresso o
direito de decidir sobre as promoções
ao generalato. Na prática, Chávez interfere nas promoções de oficiais de
todas as patentes, e não apenas a partir de coronéis.
Em troca de lealdade, Chávez patrocinou uma onda de promoções,
criando excedentes. Para resolver o
problema, nomeou oficiais para cargos na burocracia civil ou em postos
diplomáticos no exterior. Nas eleições regionais de outubro de 2004,
cerca de 14 dos 22 candidatos das fileiras governistas foram militares designados por Chávez.
O presidente venezuelano criou um
novo corpo de reservistas denominado Comando Nacional de Reserva e
Mobilização Nacional ("milícias bolivarianas"). Embora seja um corpo civil, nasceu comandado por um general que está diretamente subordinado
a Chávez.
O lema "Pátria, socialismo ou morte!" adotado pelo presidente em seus
discursos foi incorporado à saudação
militar. Ou seja, um subalterno, ao dirigir-se a um superior, deve proferir
essa saudação, seja para solicitar permissão para falar, seja para se retirar.
Achando poucas tais medidas pretorianas, Chávez ainda quer que a nova Constituição confira poder de polícia às Forças Armadas. Algo que nossas Forças Armadas já conseguiram,
por meio do decreto nº 3.897, de 24 de
agosto de 2001. E que está, segundo o
governo, sendo aperfeiçoado.
JORGE ZAVERUCHA, 51, doutor em ciência política pela
Universidade de Chicago (EUA), é coordenador do Núcleo
de Estudos de Instituições Coercitivas da UFPE (Universidade Federal de Pernambuco). É autor de "FHC, Forças Armadas e Polícia: Entre o Autoritarismo e a Democracia",
entre outras obras.
Os artigos publicados com assinatura não traduzem a opinião do jornal. Sua publicação obedece ao propósito de estimular o debate dos problemas brasileiros e mundiais e de refletir as diversas tendências do pensamento contemporâneo. debates@uol.com.br
Texto Anterior: TENDÊNCIAS/DEBATES Marco Maciel: Instituições duradouras Próximo Texto: Painel do Leitor Índice
|