São Paulo, terça, 6 de janeiro de 1998.



Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

SOCIALISMO À PAULISTA

Filas intermináveis para chegar ao litoral, filas para as compras no chamado "saldão" de uma grande loja de departamentos ou para a liquidação de um só dia de um magazine de Campinas, fila para matricular os filhos na escola, fila para conseguir água no litoral, para comprar pão, para retirar dinheiro nos caixas eletrônicos das cidades litorâneas.
Foi assim que uma parte dos paulistanos -e também dos paulistas- inaugurou 1998, exatamente um período que se convencionou chamar de "festas": em filas como os cidadãos nos extintos países socialistas.
"Festas" não parece palavra apropriada para descrever as desventuras de uma fatia significativa da população no final do ano. É verdade que nem todas as desventuras foram impostas. Ninguém é obrigado a acordar de madrugada para ficar na fila de uma liquidação, por exemplo.
Mesmo assim, esse tipo de comportamento, que alguns tomarão como esquizofrênico, revela um fenômeno algo mais complicado e que os economistas com certeza designarão como demanda reprimida.
Ou seja, há, de um lado, o desejo de comprar um bem, qualquer que seja, mas há, na outra ponta, a impossibilidade de realizar o desejo, a não ser nas condições de preço especialíssimas e de curta duração das liquidações espetaculares.
Tudo o mais se enquadra igualmente no capítulo das demandas reprimidas. Em certas regiões faltam vagas nas escolas, falta infra-estrutura no litoral, faltam opções de lazer na quantidade necessária para desviar parte dos turistas para outros destinos (ou para segurá-los na capital).
Tudo somado, tem-se uma demonstração aguda de má qualidade de vida, exatamente naquela que é a cidade mais rica do país.
É claro que os problemas de São Paulo não se resumem às filas enfrentadas nesse período supostamente de festas. Mas ele deveria servir, exatamente, para atenuar o estresse inevitável da vida nos grandes conglomerados urbanos.
Serviu, ao contrário, para gerar ainda mais tensões.



Texto Anterior | Próximo Texto | Índice



Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Agência Folha.