São Paulo, sábado, 06 de maio de 2006

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CLÓVIS ROSSI

O vizinho desconhecido

SÃO PAULO- Quando meu foco preferido era a América Latina, há 20 anos, pouco mais, pouco menos, vender aos editores material sobre a Bolívia dependia do número de mortos. Menos de dez, saía no rodapé.
Nos quatro últimos dias, ninguém morreu, ninguém matou, mas a Bolívia é a manchete de TODOS os jornais brasileiros de primeira linha e ocupa vastíssimo tempo na TV, nas rádios e nos on-line. Fora a quantidade de páginas internas -de fazer inveja à morte do papa.
Não obstante, o Brasil continua "caipira", no sentido que deu à expressão o então presidente Fernando Henrique Cardoso anos atrás. Foi crucificado injustamente. Só quis dizer que o brasileiro, como todo habitante de país continental, olha para dentro, não para fora.
Os Estados Unidos, por exemplo, são, talvez, o mais "caipira" dos países, por colossais que sejam seus interesses externos.
Mas há uma diferença essencial: nos Estados Unidos, se o americano médio não tem idéia nem de onde fica Iowa, a não ser os "iowanos", no Brasil, nem a elite sabe o que é a Bolívia e onde fica.
No Congresso, por exemplo, ninguém foi ouvido durante a crise do gás, a não ser alguns líderes, por serem líderes, não por terem de fato algo de relevante a dizer sobre Bolívia, gás, Petrobras etc.
Na academia, há raríssimos especialistas em América Latina; no empresariado, menos ainda. Mesmo a mídia, de modo geral, contraria uma velha lei não-escrita do jornalismo que diz que é mais importante um gato que morra na esquina de casa do que cem indianos que morram na Índia. A esquina de casa, para o Brasil, é a América Latina, gostemos ou não. Só há correspondentes em Buenos Aires, bons, mas poucos.
Se o Brasil quer -e é lógico que queira, pelo tamanho da economia, do território e da população- um papel de liderança na região, ou começa a entendê-la, ou será, eternamente, surpreendido pela sua esquina.

@ - crossi@uol.com.br


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