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CLÓVIS ROSSI
O vizinho desconhecido
SÃO PAULO- Quando meu foco preferido era a América Latina, há 20
anos, pouco mais, pouco menos, vender aos editores material sobre a Bolívia dependia do número de mortos.
Menos de dez, saía no rodapé.
Nos quatro últimos dias, ninguém
morreu, ninguém matou, mas a Bolívia é a manchete de TODOS os jornais brasileiros de primeira linha e
ocupa vastíssimo tempo na TV, nas
rádios e nos on-line. Fora a quantidade de páginas internas -de fazer
inveja à morte do papa.
Não obstante, o Brasil continua
"caipira", no sentido que deu à expressão o então presidente Fernando
Henrique Cardoso anos atrás. Foi
crucificado injustamente. Só quis dizer que o brasileiro, como todo habitante de país continental, olha para
dentro, não para fora.
Os Estados Unidos, por exemplo,
são, talvez, o mais "caipira" dos países, por colossais que sejam seus interesses externos.
Mas há uma diferença essencial:
nos Estados Unidos, se o americano
médio não tem idéia nem de onde fica Iowa, a não ser os "iowanos", no
Brasil, nem a elite sabe o que é a Bolívia e onde fica.
No Congresso, por exemplo, ninguém foi ouvido durante a crise do
gás, a não ser alguns líderes, por serem líderes, não por terem de fato algo de relevante a dizer sobre Bolívia,
gás, Petrobras etc.
Na academia, há raríssimos especialistas em América Latina; no empresariado, menos ainda. Mesmo a
mídia, de modo geral, contraria uma
velha lei não-escrita do jornalismo
que diz que é mais importante um
gato que morra na esquina de casa
do que cem indianos que morram na
Índia. A esquina de casa, para o Brasil, é a América Latina, gostemos ou
não. Só há correspondentes em Buenos Aires, bons, mas poucos.
Se o Brasil quer -e é lógico que
queira, pelo tamanho da economia,
do território e da população- um
papel de liderança na região, ou começa a entendê-la, ou será, eternamente, surpreendido pela sua esquina.
@ - crossi@uol.com.br
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