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TENDÊNCIAS E DEBATES
O Brasil tem tido uma política de relações exteriores hábil para a América do Sul?
NÃO
Contra os interesses nacionais
GUSTAVO IOSCHPE
O grande segmento da população
brasileira que votou em Lula esperando uma mudança de modelo econômico foi duplamente lesado. Como se
sabe, se mudança houve foi no sentido
de agudizar o arranjo de política econômica que sufoca nosso crescimento.
Compensando essa ortodoxia doméstica, os governantes parecem querer retomar sua tradição esquerdista na política externa. No afã de tornar Lula uma
liderança planetária histórica e o Brasil
uma potência internacional, este governo vem tomando medidas de grande lirismo, mas danosas aos interesses da
nação. Resultado: não ganhamos o almejado status internacional e, de quebra, perdemos a liderança que tínhamos na América do Sul.
Começamos nossas desventuras com
o perdão das dívidas de países como Nigéria e Moçambique. Enquanto a nossa
população sofre de privações para que
honremos as nossas dívidas, o governo
exime países mais pobres de saldar seus
compromissos conosco, a título da "dívida histórica" que o Brasil teria com os
países africanos por causa da escravidão. Não faz sentido. Se alguém tem de
ser compensado, que sejam os escravizados, e não os libertos que ficaram para
trás. Mesmo que fizesse sentido, deveríamos incorporar essa magnanimidade quando a nossa própria dívida estivesse equacionada. Não se faz política
externa por sentimento de culpa.
Viria também a missão de pacificação
do Haiti, o país mais miserável do continente, sem nenhuma importância geopolítica ou comercial para o Brasil.
Mandamos para as favelas daquele país
nossos soldados -os mesmos que não
podem penetrar nas favelas brasileiras
por não terem preparação e para não
"prejudicar o moral da tropa"- enquanto nos nossos morros o tráfico de
drogas queima civis vivos em ônibus.
Novamente, a dúvida: em primeiro lugar, o custo vale a pena? E se vale, não
deveríamos cuidar de nosso quintal antes de dar pitaco no do vizinho?
Recentemente, outra bola fora. Nas
negociações da OMC de Hong Kong, o
grupo dos emergentes, capitaneado pelo Brasil, extraiu pífias concessões da
União Européia (para 2013), e permitiu
que países subdesenvolvidos estabelecessem tarifas sobre produtos agrícolas.
É o governo ajudando a criar barreiras
para nossos produtos, em mercados
que representam mais da metade do volume de nossas exportações.
Como se para remediar o dano aos
agroexportadores, o governo deu uma
mãozinha aos industriais. Argentinos,
porém. Em acordo firmado no começo
do ano, nossos negociadores, sob instruções expressas de Lula, concordaram
com a criação de salvaguardas nos mercados argentinos em áreas nas quais a
indústria brasileira é mais eficiente.
Além de solapar o Mercosul, a iniciativa
manda um triste recado aos nossos produtores: sejam eficientes, "pero no mucho". Se conquistarem algum mercado
estrangeiro, o próprio governo brasileiro desfará seus ganhos.
O caso mais emblemático, porém, é o
da nossa relação com a Bolívia. Em julho de 2004, Lula foi lá e anunciou um
pacote de bondades que, segundo ele,
"abrem caminho para encontrar respostas para o desenvolvimento do povo
boliviano". O Brasil perdoou uma dívida de US$ 52 milhões e anunciou a criação de uma linha de crédito do BNDES
para aquele país. Em agradecimento, o
já desenvolvido povo boliviano foi às
urnas em referendo e aprovou proposta
de lei de hidrocarbonetos que elevou de
18% a 50% a taxação sobre a produção
de gás, que incide principalmente sobre
a Petrobras, maior produtora de gás da
Bolívia, fonte de 15% do PIB daquele
país. Esperava-se que uma multinacional com tamanha envergadura -e seu
governo- protestassem veementemente contra essa lei. Pelo contrário.
O presidente Evo Morales foi recebido
em Brasília com todos os chamegos destinados aos companheiros da jornada
universal rumo à fraternidade. O presidente da Petrobras chegou a declarar
que preferia ganhar pouco a não ganhar
nada.
Tendo em vista essa recepção tão calorosa, o "compañero" Evo aumentou
mais um pouco a taxa, de 50% a 82%, ao
mesmo tempo em que estatizava os
produtores de gás e óleo da Bolívia, tendo a cortesia de anunciar o ato em uma
planta da nossa Petrobras. Não se via
afronta desse tamanho aos interesses
nacionais desde a Guerra da Cisplatina.
Enquanto os estrategistas de Brasília
formulam seus mirabolantes planos de
dominação internacional, vamos perdendo dinheiro para um país depois do
outro, porque nossos líderes parecem
não ter aprendido aquelas regrinhas básicas: 1- países não têm amigos, têm interesses; 2- que o presidente da Bolívia
se preocupe com o desenvolvimento
dos bolivianos, e o do Brasil, com o dos
brasileiros.
Gustavo Ioschpe, 29, mestre em desenvolvimento econômico pela Universidade Yale (EUA),
é autor de "A Ignorância Custa um Mundo - o Valor da Educação no Desenvolvimento do Brasil"
(W11). Foi colaborador da Folha nos cadernos
Fovest (1996-97) e Folhateen (1997-2000).
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