|
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
CLÓVIS ROSSI
Receita de desastre
SÃO PAULO - Gritar "fracasso" ou
"sucesso", como fazem as duas partes em confronto na Bolívia, não vai
resolver o sério problema de governabilidade que o país tem já faz alguns anos (ou desde sempre, dirão
alguns mais pessimistas).
Pode-se ter todas as dúvidas possíveis e imagináveis sobre o plebiscito de autonomia realizado domingo em Santa Cruz de la Sierra, mas
são os "bolivarianos" no poder na
Venezuela e na própria Bolívia, para não mencionar outros, mais recalcitrantes, que destaparam a caixa de Pandora das consultas populares talhadas à medida do poder de
turno, nacional ou local.
Condenar o uso do instrumento
pelos oposicionistas (no poder em
Santa Cruz) é, portanto, farisaico.
E, pior, é ignorar que há, de fato, um
sentimento autonomista ou independentista naquela região desde
muito antes de Evo Morales se tornar relevante.
Da mesma forma, é inútil fingir
que o plebiscito gira em torno só da
autonomia. Na verdade, são dois
projetos de país em confronto: o socialista/indigenista de Morales,
forte no altiplano, e o capitalista/
branco-mestiço de Santa Cruz.
Um não pode prescindir do outro. A Bolívia é um dos poucos países sul-americanos de maioria indígena, o que significa que o projeto
"branco" só pode se impor pela exclusão de uma massa grande demais para continuar contida na
submissão secular.
Mas o altiplano tampouco pode
prescindir de Santa Cruz, área em
que a população passou em meio
século de 9% do total para 25%, que
gera um terço da economia boliviana, que arrecada 40% dos impostos
e atrai 48% do investimento externo (só 15% vai para La Paz).
O problema é que os dois lados
preferiram, até agora, desenhar o
país que querem só com os seus
amigos (no projeto de Constituição
de Morales ou no estatuto de autonomia de Santa Cruz). Não tem a
menor chance de dar certo.
crossi@uol.com.br
Texto Anterior: Editoriais: Fiasco trabalhista Próximo Texto: Brasília - Eliane Cantanhêde: No lugar certo, na hora certa Índice
|