São Paulo, terça-feira, 06 de maio de 2008

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CLÓVIS ROSSI

Receita de desastre

SÃO PAULO - Gritar "fracasso" ou "sucesso", como fazem as duas partes em confronto na Bolívia, não vai resolver o sério problema de governabilidade que o país tem já faz alguns anos (ou desde sempre, dirão alguns mais pessimistas).
Pode-se ter todas as dúvidas possíveis e imagináveis sobre o plebiscito de autonomia realizado domingo em Santa Cruz de la Sierra, mas são os "bolivarianos" no poder na Venezuela e na própria Bolívia, para não mencionar outros, mais recalcitrantes, que destaparam a caixa de Pandora das consultas populares talhadas à medida do poder de turno, nacional ou local.
Condenar o uso do instrumento pelos oposicionistas (no poder em Santa Cruz) é, portanto, farisaico.
E, pior, é ignorar que há, de fato, um sentimento autonomista ou independentista naquela região desde muito antes de Evo Morales se tornar relevante.
Da mesma forma, é inútil fingir que o plebiscito gira em torno só da autonomia. Na verdade, são dois projetos de país em confronto: o socialista/indigenista de Morales, forte no altiplano, e o capitalista/ branco-mestiço de Santa Cruz.
Um não pode prescindir do outro. A Bolívia é um dos poucos países sul-americanos de maioria indígena, o que significa que o projeto "branco" só pode se impor pela exclusão de uma massa grande demais para continuar contida na submissão secular.
Mas o altiplano tampouco pode prescindir de Santa Cruz, área em que a população passou em meio século de 9% do total para 25%, que gera um terço da economia boliviana, que arrecada 40% dos impostos e atrai 48% do investimento externo (só 15% vai para La Paz).
O problema é que os dois lados preferiram, até agora, desenhar o país que querem só com os seus amigos (no projeto de Constituição de Morales ou no estatuto de autonomia de Santa Cruz). Não tem a menor chance de dar certo.

crossi@uol.com.br


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