São Paulo, domingo, 06 de junho de 2004

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FERNANDO DE BARROS E SILVA

País solto no ar

SÃO PAULO - O debate nacional parece girar em falso, em torno de migalhas. Há pouco, Lula convocou cadeia nacional para promover negócios da China; anteontem, foi a vez de Márcio Thomaz Bastos ir à TV para exaltar as operações da PF, segundo ele sinal de "novos tempos" no país. O governo perdeu a noção do ridículo.
O abuso do recurso à mídia oficial é uma maneira de investir ações rotineiras de ares épicos. O Ministério da Propaganda, o único que de fato prospera neste governo, tira leite de pedra para passar ao país a impressão de que estamos em obras.
Esses cacoetes são a manifestação epidérmica de um mal-estar muito maior. Tome-se o oba-oba que ganha corpo em torno da retomada do crescimento. As atuais projeções -realistas ou fantasiosas, tanto faz- são uma espécie de ladainha, um filme enfadonho que assistimos há anos e nos revela antes de mais nada a ausência de discussão substantiva, de perspectiva e de projeto para o país.
Nessa toada, na melhor das hipóteses Lula nos deixará o mesmo legado de FHC: uma modernização pífia, incapaz de equacionar e enfrentar a herança de uma desigualdade social que se reproduz a cada rodada de desenvolvimento, como uma tralha que o progresso arrasta consigo. Alguém sensato e não ofuscado por um petismo infantil ainda é capaz de acreditar e sustentar que o Brasil será outro e melhor depois de Lula?
É um destino irônico, esse que vai se desenhando. A maior liderança intelectual e a maior liderança social forjadas nos anos 60 e 70, no confronto com a ditadura, chegam ao poder para se converterem em coveiros da esperança de que foram os portadores.
Vale para o caso do colapso brasileiro a máxima que os estudantes picharam pelas ruas de Paris em 68: a história não se repete, ela gagueja.


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