São Paulo, domingo, 06 de junho de 2004

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CLAUDIA ANTUNES

Um elo perdido

RIO DE JANEIRO - Quando foi que o Brasil se perdeu? Há muitas respostas possíveis para essa pergunta sobre as frustrações das promessas de um futuro brilhante para o gigante em berço esplêndido, e uma delas pode ser o momento em que a parcela mais afluente da classe média deixou passar a oportunidade de compartilhar com o povo mais pobre ou remediado os bancos das escolas primárias e os leitos dos hospitais.
Até meados do século passado, a miséria mais feia era um fenômeno concentrado no campo. O analfabetismo era imenso e muitos pobres das cidades viviam como agregados das famílias bem de vida ou nem tanto. Os pais e avós da atual elite urbana estudaram em colégios públicos; as mulheres queriam ser professoras, carreira de prestígio.
Depois, o desenvolvimento industrial e a urbanização criaram expectativas nos recém-apresentados à prosperidade. A universalização da educação e da saúde tornou-se uma necessidade social e política.
Mas a classe média foi seduzida pelo segregacionismo. Rendeu-se prazerosamente à educação particular, ao plano privado. Despreocupou-se da coisa pública em troca de privilégios como pôr seus filhos nas melhores universidades (em geral públicas), obter os melhores empregos (incluindo os oferecidos pelo Estado) e não ser levada às celas das penitenciárias onde seriam jogados aos milhares os que ficavam para trás.
O Brasil não construiu um patamar mínimo comum a partir do qual o acesso às oportunidades seria mais democrático. Agora, a fatia da população espremida entre os muito ricos e a grande maioria reclama porque a saúde privada não banca os tratamentos caros e sofisticados e chia porque pretende-se instituir nas universidades cotas para alunos do ensino médio público, onde estão matriculados mais de 80% dos adolescentes. Sofre, também, por pagar impostos cada vez mais pesados sem usufruir do que é feito deles, porque abdicou de cobrar no passado.



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