">




São Paulo, sábado, 06 de junho de 2009

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

TENDÊNCIAS/DEBATES

Os artigos publicados com assinatura não traduzem a opinião do jornal. Sua publicação obedece ao propósito de estimular o debate dos problemas brasileiros e mundiais e de refletir as diversas tendências do pensamento contemporâneo. debates@uol.com.br

Você tem medo de viajar de avião?

NÃO

"No ar, nos aproximamos da divindade"

RONNIE VON

NÃO, EU não tenho medo de viajar de avião. Sou aviador e tenho brevê para pilotar equipamentos (na linguagem aeronáutica, chamamos avião de equipamento) multimotores e à reação. Voar -ao contrário do que dizem por aí- não é só com os pássaros. A sensação do voo é única, um misto de liberdade com adrenalina que não tem nada com o que se possa comparar. Nada. No ar é onde somos mais livres, onde nos aproximamos da divindade...
As diversas mitologias da Antiguidade apresentavam seres e deuses alados, híbridos de ser humano e pássaro. Sumérios, egípcios, nórdicos, hititas, gregos e tantos outros, todos já projetavam em suas lendas o desejo de o homem voar.
A história mais famosa é a de Ícaro -que, ironicamente, também pode ser considerada a primeira catástrofe aérea. Analisando friamente, constatamos que o desastre com o filho de Dédalo aconteceu por pura desatenção e desconhecimento da máquina voadora por parte do "piloto".
Aviões não foram feitos para cair, mas para voar. O feito do Campo de Bagatelle foi um dos maiores divisores de águas da história: o futuro chegou quando o 14 Bis voou pela primeira vez. Aqueles sete segundos de voo instável mudaram para sempre os rumos da humanidade. Foi concedido ao homem um privilégio outrora apenas dos seres alados: voar.
Desde então, os céus de nosso planeta têm visto uma quantidade cada vez maior de inacreditáveis aeronaves, que transportam pessoas, cargas, fazem a guerra e levam a paz.
É curioso como viajar de avião é uma experiência que gera reações extremas. Não conheço uma pessoa sequer para quem voar seja uma coisa trivial. Ou se ama ou se odeia.
Tragédias como as do voo 447 sempre geram comentários do tipo "hoje em dia tem caído muito mais avião que antigamente". No entanto, a verdade (os números estão aí) é que, dos meios de transporte, o avião continua imbatível na questão segurança.
Eu poderia gastar linhas e mais linhas com estatísticas que ratificam tal afirmação, mas prefiro uma comparação prosaica para ilustrá-la: nos EUA, no ano passado, morreram mais pessoas em decorrência de picadas de abelha do que em acidentes aéreos.
Carros, trens, ônibus e até navios matam muito mais que aviões. Mesmo assim, a maioria das pessoas continua utilizando esses meios de transporte sem medo. Resumindo todos os números a um único dado: de cada 1.400.000 voos que decolam no planeta, apenas 1 se acidenta.
Todo mundo sabe da segurança que o avião proporciona, pois as estatísticas são repetidas à exaustão a cada desastre aéreo. Porém, milhares de pessoas morrem de medo de voar. Aerofobia, um mal do qual muita gente sofre. Um medo irracional e incontrolável. Mas por quê? Por que tanta gente tem horror a viajar de avião?
Há um fator que considero uma das chaves fundamentais para tentar entender essa fobia: o simples ato de voar, por si só. Estar com os pés no chão -nos sentidos literal e figurado- para muitos dá uma sensação de segurança maior do que voar. E o ser humano, em geral, gosta de estar no controle da situação, seja ela qual for.
No caso de um acidente envolvendo qualquer outro meio de transporte, as pessoas se consideram mais aptas e capazes de escapar. Já no avião, aqueles que têm medo se sentem vulneráveis e suscetíveis. Um comandante de navio, um motorista de ônibus ou um maquinista de trem têm tanta responsabilidade pela vida de seus passageiros quanto um piloto, mas nenhum deles carrega nas costas carga tão pesada de expectativas.
Isso tudo pode ser mero devaneio.
Se nem os especialistas têm uma resposta definitiva para os porquês do medo de voar, quem sou eu para decifrar as razões dessa ou daquela fobia?
Cabe aqui uma confissão: o fato é que -assumo-, até para mim, que não tenho medo de avião, os acidentes aéreos causam comoção maior do que qualquer outro desastre com meios de transporte coletivos. Por quê? Talvez pelo envolvimento visceral que tenho com a aviação, não sei.
Apesar de o medo de voar ser racionalmente infundado, o ser humano não é feito só de razão. E as tragédias eventualmente acontecem. Contra elas, números ou dados em defesa da segurança dos aviões não valem de nada. Fica aqui o meu respeito e a minha solidariedade às pessoas que perderam entes queridos no acidente com o Airbus da Air France.


RONALDO LINDENBERG VON SCHILGEM CINTRA NOGUEIRA , 64, o Ronnie Von, formado em economia, é músico e apresentador de TV, além de aviador.


Texto Anterior: TENDÊNCIAS/DEBATES
Nelson Ascher:"Porque mais não sei"

Próximo Texto: Painel do leitor
Índice


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.