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TENDÊNCIAS/DEBATES
Os artigos publicados com assinatura não traduzem a opinião do jornal. Sua publicação obedece ao propósito de estimular o debate dos problemas brasileiros e mundiais e de refletir as diversas tendências do pensamento contemporâneo. debates@uol.com.br
Você tem medo de viajar de avião?
NÃO
"No ar, nos aproximamos da divindade"
RONNIE VON
NÃO, EU não tenho medo de
viajar de avião. Sou aviador e
tenho brevê para pilotar equipamentos (na linguagem aeronáutica, chamamos avião de equipamento)
multimotores e à reação. Voar -ao
contrário do que dizem por aí- não é
só com os pássaros. A sensação do voo
é única, um misto de liberdade com
adrenalina que não tem nada com o
que se possa comparar. Nada. No ar é
onde somos mais livres, onde nos
aproximamos da divindade...
As diversas mitologias da Antiguidade apresentavam seres e deuses
alados, híbridos de ser humano e pássaro. Sumérios, egípcios, nórdicos, hititas, gregos e tantos outros, todos já
projetavam em suas lendas o desejo
de o homem voar.
A história mais famosa é a de Ícaro
-que, ironicamente, também pode
ser considerada a primeira catástrofe
aérea. Analisando friamente, constatamos que o desastre com o filho de
Dédalo aconteceu por pura desatenção e desconhecimento da máquina
voadora por parte do "piloto".
Aviões não foram feitos para cair,
mas para voar. O feito do Campo de
Bagatelle foi um dos maiores divisores de águas da história: o futuro chegou quando o 14 Bis voou pela primeira vez. Aqueles sete segundos de voo
instável mudaram para sempre os rumos da humanidade. Foi concedido
ao homem um privilégio outrora apenas dos seres alados: voar.
Desde então, os céus de nosso planeta têm visto uma quantidade cada
vez maior de inacreditáveis aeronaves, que transportam pessoas, cargas,
fazem a guerra e levam a paz.
É curioso como viajar de avião é
uma experiência que gera reações extremas. Não conheço uma pessoa sequer para quem voar seja uma coisa
trivial. Ou se ama ou se odeia.
Tragédias como as do voo 447 sempre geram comentários do tipo "hoje
em dia tem caído muito mais avião
que antigamente". No entanto, a verdade (os números estão aí) é que, dos
meios de transporte, o avião continua
imbatível na questão segurança.
Eu poderia gastar linhas e mais linhas com estatísticas que ratificam
tal afirmação, mas prefiro uma comparação prosaica para ilustrá-la: nos
EUA, no ano passado, morreram mais
pessoas em decorrência de picadas de
abelha do que em acidentes aéreos.
Carros, trens, ônibus e até navios
matam muito mais que aviões. Mesmo assim, a maioria das pessoas continua utilizando esses meios de transporte sem medo. Resumindo todos os
números a um único dado: de cada
1.400.000 voos que decolam no planeta, apenas 1 se acidenta.
Todo mundo sabe da segurança que
o avião proporciona, pois as estatísticas são repetidas à exaustão a cada
desastre aéreo. Porém, milhares de
pessoas morrem de medo de voar. Aerofobia, um mal do qual muita gente
sofre. Um medo irracional e incontrolável. Mas por quê? Por que tanta gente tem horror a viajar de avião?
Há um fator que considero uma das
chaves fundamentais para tentar entender essa fobia: o simples ato de
voar, por si só. Estar com os pés no
chão -nos sentidos literal e figurado- para muitos dá uma sensação de
segurança maior do que voar. E o ser
humano, em geral, gosta de estar no
controle da situação, seja ela qual for.
No caso de um acidente envolvendo qualquer outro meio de transporte, as pessoas se consideram mais aptas e capazes de escapar. Já no avião,
aqueles que têm medo se sentem vulneráveis e suscetíveis. Um comandante de navio, um motorista de ônibus ou um maquinista de trem têm
tanta responsabilidade pela vida de
seus passageiros quanto um piloto,
mas nenhum deles carrega nas costas
carga tão pesada de expectativas.
Isso tudo pode ser mero devaneio.
Se nem os especialistas têm uma resposta definitiva para os porquês do
medo de voar, quem sou eu para decifrar as razões dessa ou daquela fobia?
Cabe aqui uma confissão: o fato é
que -assumo-, até para mim, que
não tenho medo de avião, os acidentes aéreos causam comoção maior do
que qualquer outro desastre com
meios de transporte coletivos. Por
quê? Talvez pelo envolvimento visceral que tenho com a aviação, não sei.
Apesar de o medo de voar ser racionalmente infundado, o ser humano
não é feito só de razão. E as tragédias
eventualmente acontecem. Contra
elas, números ou dados em defesa da
segurança dos aviões não valem de
nada. Fica aqui o meu respeito e a minha solidariedade às pessoas que perderam entes queridos no acidente
com o Airbus da Air France.
RONALDO LINDENBERG VON SCHILGEM CINTRA NOGUEIRA , 64, o Ronnie Von, formado em economia, é
músico e apresentador de TV, além de aviador.
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