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São Paulo, quarta-feira, 06 de agosto de 2003

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TENDÊNCIAS/DEBATES

Aposentadoria e equidade

HÉLIO ZYLBERSTAJN, ANDRÉ SOUZA, ANDERSON STANCIOLI e MARCELO MILAN

As aposentadorias dos funcionários públicos são maiores do que as aposentadorias dos trabalhadores cobertos pelo INSS. Para examinar a natureza desse diferencial, um dos critérios possíveis é comparar os benefícios recebidos pelos aposentados com as contribuições que recolheram quando trabalhavam. Um sistema de aposentadorias é equilibrado quando paga aos aposentados o mesmo valor que arrecadou deles quando trabalhavam. Se isso valer para cada indivíduo, então ninguém subsidia ninguém, não há transferência de rendas entre grupos de segurados; e o diferencial das aposentadorias decorre do diferencial das contribuições.
Para usar esse critério e avaliar as aposentadorias brasileiras, recorremos aos dados da PNAD (Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios) de 2001. Estimamos a trajetória salarial de todos os brasileiros que trabalham, sejam eles funcionários públicos ou segurados do INSS. Calculamos suas contribuições, desde o ingresso no mercado de trabalho até o momento em que vão se aposentar. Calculamos em seguida quanto vão receber na aposentadoria, durante o período de sua expectativa de vida. Incluímos o valor das pensões dos cônjuges após a morte dos aposentados. Os valores das contribuições e dos benefícios foram trazidos para valor presente e permitiram que calculássemos as alíquotas apresentadas na tabela nesta página.
Os resultados indicam que os segurados do INSS contribuem, em média, com 21% dos seus rendimentos. Neste valor, computamos a contribuição dos empregados, dos autônomos e também a contribuição das empresas. Para pagar as aposentadorias dos contribuintes do INSS, porém, seria necessário recolher apenas 17% dos rendimentos. Portanto os contribuintes do INSS recebem menos do que pagam. A diferença é utilizada para cobrir as aposentadorias dos informais, que não contribuem com o sistema. Por meio do INSS, os trabalhadores do setor formal transferem renda para os trabalhadores do setor informal. Se não tivessem de suportar esse ônus, poderiam se aposentar com benefícios mais generosos, ou então poderiam recolher contribuições menores.
Diferentemente dos contribuintes do INSS, os funcionários públicos pagam menos do que recebem. Para pagar suas aposentadorias, teriam que contribuir com 49%, mas contribuem, em média, com apenas 16% dos seus rendimentos (aqui computamos as contribuições dos funcionários e das administrações estaduais e municipais). A diferença é coberta com os impostos que todos pagamos. Há, portanto, uma transferência de renda dos contribuintes para os funcionários públicos.
Alguns críticos da reforma proposta pelo governo Lula alegam que, enquanto as empresas privadas contribuem para o INSS, o governo não contribui para as aposentadorias dos servidores. Se contribuísse, eles argumentam, o sistema se equilibraria. Nossos resultados mostram que, mesmo que o governo contribuísse, o valor recolhido seria insuficiente para pagar as aposentadorias dos servidores públicos. Em suma, seus benefícios são exageradamente altos, se comparados com suas contribuições. Os trabalhadores do setor privado são duplamente onerados, pois transferem renda para os trabalhadores informais e os funcionários públicos.
A reforma da Previdência mudará esse estado de coisas? Para responder a essa questão, fizemos uma simulação com os nossos dados. Aplicamos as regras contidas na "reforma Lula" para todos os atuais trabalhadores, retroativamente, desde o momento em que ingressaram no mercado de trabalho. Calculamos o valor das contribuições que teriam recolhido e também o valor dos benefícios que receberão quando se aposentarem, segundo as novas regras. Comparamos o valor presente dos dois agregados, e o resultado aparece nas duas últimas colunas da tabela.
A reforma do governo não terá impacto no INSS, mas atenuará o desequilíbrio no sistema de aposentadorias dos funcionários públicos. Se o relatório do deputado José Pimentel for aprovado com a redação atual, a alíquota necessária para pagar as aposentadorias dos funcionários públicos se reduzirá dos atuais 49% para 27%. Por outro lado, suas contribuições nas novas regras aumentarão dos atuais 16% para 18%. Portanto a reforma reduzirá a diferença entre o que os atuais funcionários públicos recebem na aposentadoria e o que pagam para se aposentar.
Como os novos funcionários ingressarão no serviço público sob um sistema semelhante ao do INSS, a reforma terá dois efeitos. Primeiro, produzirá um alívio nas contas públicas, pois o custo das aposentadorias de todos os brasileiros será mais próximo do valor das contribuições. Segundo, e mais importante, ao reduzir as diferenças de tratamento entre as duas categorias de trabalhadores, a reforma de Lula contribuirá para diminuir as transferências regressivas de renda entre os brasileiros.





Hélio Zylberstajn, 57, André Portela Souza, 36, Anderson E. Stancioli, 27, e Marcelo Milan, 28, são professores da Faculdade de Economia, Administração e Contabilidade da USP e pesquisadores da Fipe. Colaboraram na tabulação dos dados os pesquisadores Luís Eduardo Afonso e Priscilla Matias Flori.


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