São Paulo, sábado, 06 de novembro de 2010

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RUY CASTRO

A uma lua de 40º

RIO DE JANEIRO - A montagem de "O Barbeiro de Sevilha", de Rossini, pela Companhia Brasileira de Ópera, dirigida pelo maestro John Neschling, em São Paulo, pode me redimir de uma frustração sofrida em julho último, quando, por circunstâncias, vi-me justamente em Sevilha, linda cidade da Andaluzia, na Espanha, e achei que seria engraçado fazer a barba com um legítimo barbeiro de Sevilha.
No que me decidi, toca a procurar nas ruas uma barbearia -e era lícito supor que o que não faltasse em Sevilha fossem barbearias, daquelas tradicionais, com três ou quatro cadeiras e um barbeiro de prontidão na porta do estabelecimento, tesoura e pente no bolso do jaleco branco. Mas, neca. Durante uma tarde inteira, a uma lua de 40ºC, subi e desci calles, paseos e carreteras, perguntei em bancas de jornais, consultei mapas -e nada.
Na busca de um barbeiro em Sevilha -qualquer um servia-, varejei os lugares que nosso cônsul João Cabral de Melo Neto palmilhou nos anos 50 e 60 e transformou em poesia: "A cidade mais bem cortada/ que vi, Sevilha;/ cidade que veste o homem/ sob medida". Aliás, numa das ruas, julguei reconhecer a mulher que ele descreveu como "carne do campo de Sevilha;/ carne de terra adentro,/ carnal, jamais marisca". Só não achei o barbeiro.
Nos dias seguintes, invadindo propriedades particulares, embarafustei-me pelos pátios em que Buñuel fez Angela Molina seduzir e torturar Fernando Rey em "Esse Obscuro Objeto do Desejo" (1977), filmado lá. Em vão. Inconformado, contornei a Giralda e o Alcazar, explorei os arredores de catedrais góticas e cristãs, revirei a cidade -e nem um único barbeiro em Sevilha.
Bem, à falta do original, sempre restará o de Rossini, não? Ou quem sabe não será por isso mesmo que os barbeiros debandaram de Sevilha? Para não ser importunados o ano todo por turistas com humor de ópera bufa.


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