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TENDÊNCIAS/DEBATES
O atual projeto de lei sobre crimes de informática deve ser aprovado pela Câmara?
NÃO
Projeto gera criminalização de massa
RONALDO LEMOS
O projeto de lei sobre crimes eletrônicos, conhecido como "Lei Azeredo" (PL 84/99) por causa de seu
principal defensor, o senador
Eduardo Azeredo (PSDB-MG), foi
rejeitado de forma veemente pela
sociedade brasileira.
Apenas uma petição obteve 158
mil assinaturas contrárias, número
que continua a crescer. O projeto foi
taxado por grupos da sociedade civil de "AI-5 Digital", acusado de
promover o vigilantismo e a criminalização de massa.
Apesar do tom forte dessas críticas, a sociedade civil brasileira tem
razão em apontá-las.
Por conta da reação pública,
muitos julgavam o projeto morto.
Estavam errados. No dia 5 de outubro, logo após o primeiro turno das
eleições, quando a atenção pública
estava concentrada no pleito, o projeto voltou a tramitar.
Recebeu parecer favorável a sua
aprovação por parte de deputado
que não foi reeleito, Régis de Oliveira (PSC-SP). Ele aproveitou para
apresentar novo texto, que piorou a
redação original, tornando a preocupação ainda mais atual.
Da forma como se encontra, o PL
84/99 apresenta redação excessivamente ampla e criminaliza condutas cotidianas. Por exemplo, um
consumidor que possui um celular
bloqueado e efetua seu desbloqueio ficaria sujeito a pena de três
anos de reclusão. Quem transfere
músicas legalmente adquiridas de
um iPod para o seu próprio computador estaria sujeito à mesma pena.
Vale notar que todas essas condutas são legais em outros países,
incluindo os Estados Unidos. Dois
estudos técnicos do Centro de Tecnologia e Sociedade da Escola de
Direito da FGV apresentam em detalhes esses pontos e propõem redações alternativas que evitam os
problemas. Os estudos estão disponíveis no link: bit.ly/d39SKi.
Além disso, é importante notar
que a redação do substitutivo do PL
84/99 de fato abre espaço para o vigilantismo. Por exemplo, obriga a
guarda de dados dos usuários, tais
como registros de conexão e de
acesso a sites da internet, por prazo
excessivamente longo (três anos).
Mais grave, permite a entrega
desses dados à autoridade policial
sem a necessidade de ordem judicial prévia, o que é inconcebível em
um Estado democrático de Direito.
Estabelece ainda que provedores
devem "informar de maneira sigilosa à autoridade competente denúncia da qual tenham tomado conhecimento que contenha indícios da
prática de crime". Essa redação
transforma os provedores em entidades policialescas, ficando ainda
sujeitos a multa de até R$100 mil
reais por cada requisição de informações não atendida.
Os defensores do projeto alegam
que ele concretiza no Brasil as disposições da Convenção de Budapeste para combate aos crimes digitais.
O Brasil não é signatário dessa
convenção e não participou de suas
negociações. A Convenção de Budapeste possui baixíssima adesão
na esfera internacional, contando
com apenas 30 países signatários.
Nenhum deles latino-americano.
Por fim, cumpre notar que o interesse de combate aos cibercrimes é
legítimo. Esse combate é fundamental, por exemplo, para coibir
fraudes bancárias. É possível fazer
isso de forma equilibrada, sem ferir
direitos fundamentais nem criminalizar práticas cotidianas.
Além disso, é preciso estabelecer
antes uma legislação civil para a internet brasileira. Isso está sendo feito pelo Ministério da Justiça, com o
chamado Marco Civil da Internet,
que criou um processo para receber
contribuições públicas de todo o
país. A partir delas, foi construído
um anteprojeto de lei que deverá
ser enviado em breve ao Congresso.
A internet é um insumo crucial
para o desenvolvimento do país
neste século. A lei deve ser capaz de
promover inclusão e inovação. Partir para a criminalização, nos termos do PL 84/99, é um erro.
RONALDO LEMOS, 34, mestre em direito pela
Universidade Harvard e doutor em direito pela USP,
é diretor do Centro de Tecnologia e Sociedade da
FGV e colunista da Folha .
Os artigos publicados com assinatura não traduzem a opinião do jornal. Sua publicação obedece ao propósito de estimular o debate dos problemas brasileiros e mundiais e de refletir as diversas tendências do pensamento contemporâneo. debates@uol.com.br
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