São Paulo, quarta-feira, 07 de fevereiro de 2007

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MÁRIO MAGALHÃES

Cor não pega. E racismo?

RIO DE JANEIRO - Há três quartos de século, a cada fevereiro renova-se a pergunta: e se a cor pegasse? Foi logo depois da Revolução de 30 que Lamartine Babo lançou "O Teu Cabelo Não Nega", co-autoria dos irmãos Valença. Como ensinam as professoras às crianças com direito a creche, cantam os versos: "Mas como a cor não pega, mulata/ Mulata eu quero o teu amor".
Pelo lógica da letra, a resposta é inescapável: se a cor pegasse, tchau, mulata, bye-bye, amor.
Sem dúvida, marchinhas carnavalescas não foram feitas para consagrar a lógica. Bem como, se a maldição do politicamente correto se impusesse à folia, a festa correria o risco de acabar.
"Cabeleira do Zezé" tem mesmo certa dose de homofobia. Porém não se compara à idéia implícita, do mal em si, na cor da mulata.
Argumentam que era a cultura da época, sem conotação discriminatória. O racismo, contudo, é inegável. E, fosse para eternizar cabeças do passado, talvez valesse reintroduzir a escravidão e a chibata.
Incomoda que se trate como natural o que não é. Dizer que só topa a moçoila porque cor não se transmite é barbaridade, não liberdade poética. Reconsiderar o que cantamos desde o berço não implica avalizar desvarios autoritários como cartilhas para sufocar a arte. Muito menos proibir a composição de Lamartine Babo e dos Irmãos Valença, criadores da marcha que, reinventada por Lalá, virou sucesso.
O Brasil só teria a ganhar se, vez por outra, pensasse sobre aberrações como essa. Fizesse isso em relação a outras tantas expressões de segregação, quem sabe fosse menos racista. Da minha parte, recuso-me a perpetuar o "espírito d'antanho".
Quando o bloco vai de "O Teu Cabelo Não Nega", ouço calado. É o tal protesto silencioso.


mariomagalhaes@folhasp.com.br

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