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CARLOS HEITOR CONY
Os pés de barro
RIO DE JANEIRO - Sempre achei inútil a comemoração de dias especiais,
como o da mãe, do pai, do avô, da
mulher, das crianças, dos comerciários, dos bancários etc. Nesta semana,
comemorou-se o Dia da Liberdade de
Imprensa. Sendo, como é, uma necessidade, nem por isso a imprensa pode
ser considerada a vestal acima da
condição humana.
Lendo uma biografia de José de
Alencar, lembrei-me de um episódio
que envolveu o romancista com
Francisco Otaviano, diretor do "Correio Mercantil", grande jornal da
época. Alencar teve um artigo censurado, porque contrariava um anunciante daquele órgão. Apesar de amigo fraterno do seu diretor, Alencar
mudou-se com armas, bagagens e estilo para o "Diário do Rio de Janeiro", onde publicaria o folhetim mais
famoso da nossa história literária: "O
Guarani".
O episódio que envolveu Francisco
Otaviano e José de Alencar é recorrente nos jornais até hoje. De maneira geral, a imprensa é considerada a
vigilante da sociedade e dos governos. Mas quem vigia a vigilante? Em
princípio, a opinião pública. Mas a
opinião pública é auferida pela imprensa -o que vem a dar na mesma.
Mark Twain, que, apesar do sucesso dos seus livros, foi basicamente um
jornalista, dizia que não se deve acreditar nos jornais, com exceção da data registrada no cabeçalho. Mesmo
assim, muitas vezes, por erro de composição ou de revisão, as datas saem
erradas.
O mesmo Mark Twain tem uma
frase letal sobre a profissão que exerceu ao longo de toda a sua vida. Ele
dizia que a função da imprensa é separar o joio do trigo e publicar o joio.
Sou jornalista, também, há bastante tempo e não assino embaixo do
que o autor de "Tom Sawyer" disse a
respeito de nossa profissão. Há momentos em que ela representa o fluxo
da história e a consciência da sociedade. Foi na imprensa que Emile Zola escreveu o "J'accuse!". Ela derrubou Nixon e Collor. Contudo esses
momentos excepcionais infelizmente
são raros, nela prevalecendo a mesma fragilidade dos pés de barro do
qual somos feitos.
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