São Paulo, domingo, 07 de maio de 2006

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CARLOS HEITOR CONY

Os pés de barro

RIO DE JANEIRO - Sempre achei inútil a comemoração de dias especiais, como o da mãe, do pai, do avô, da mulher, das crianças, dos comerciários, dos bancários etc. Nesta semana, comemorou-se o Dia da Liberdade de Imprensa. Sendo, como é, uma necessidade, nem por isso a imprensa pode ser considerada a vestal acima da condição humana.
Lendo uma biografia de José de Alencar, lembrei-me de um episódio que envolveu o romancista com Francisco Otaviano, diretor do "Correio Mercantil", grande jornal da época. Alencar teve um artigo censurado, porque contrariava um anunciante daquele órgão. Apesar de amigo fraterno do seu diretor, Alencar mudou-se com armas, bagagens e estilo para o "Diário do Rio de Janeiro", onde publicaria o folhetim mais famoso da nossa história literária: "O Guarani".
O episódio que envolveu Francisco Otaviano e José de Alencar é recorrente nos jornais até hoje. De maneira geral, a imprensa é considerada a vigilante da sociedade e dos governos. Mas quem vigia a vigilante? Em princípio, a opinião pública. Mas a opinião pública é auferida pela imprensa -o que vem a dar na mesma.
Mark Twain, que, apesar do sucesso dos seus livros, foi basicamente um jornalista, dizia que não se deve acreditar nos jornais, com exceção da data registrada no cabeçalho. Mesmo assim, muitas vezes, por erro de composição ou de revisão, as datas saem erradas.
O mesmo Mark Twain tem uma frase letal sobre a profissão que exerceu ao longo de toda a sua vida. Ele dizia que a função da imprensa é separar o joio do trigo e publicar o joio.
Sou jornalista, também, há bastante tempo e não assino embaixo do que o autor de "Tom Sawyer" disse a respeito de nossa profissão. Há momentos em que ela representa o fluxo da história e a consciência da sociedade. Foi na imprensa que Emile Zola escreveu o "J'accuse!". Ela derrubou Nixon e Collor. Contudo esses momentos excepcionais infelizmente são raros, nela prevalecendo a mesma fragilidade dos pés de barro do qual somos feitos.


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