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RUY CASTRO
Espólio sem classe
RIO DE JANEIRO - Depois do
desmantelamento da Varig, voar,
que costumava ser uma atividade
entre brasileiros adultos e consentidos, tornou-se brincadeira de
criança. No mau sentido. Assim a
entendem as empresas que herdaram o espólio da Varig, mas não a
sua classe.
Nos aviões dessas empresas, as
poltronas parecem adaptadas para
menores de 11 anos. A distância entre os dois braços indica a preferência por tóraxes ainda pouco desenvolvidos -meninos que nadem ou
façam judô terão tanta dificuldade
quanto um adulto para caber ali.
Abrir a mesinha também só será
possível se o guri não tiver o menor
traço de obesidade, coisa rara, hoje,
nesse mundo rico em calorias.
Note que estamos falando de
crianças. Mas, se forem adultos os
passageiros, e você um deles, chegue cedo ao balcão para pegar um
lugar na fila do corredor. Assim,
quando o vizinho do meio espremê-lo para fora, você terá para onde transbordar -mas não muito,
porque, quase roçando o seu braço,
começa a outra fileira. Já o ocupante da janela terá de abrir a própria
se quiser dar um conforto ao braço.
Se você for premiado com a poltrona do meio, torça para não ser
ladeado por dois homens de paletó.
Em caso positivo, reze para que os
alfaiates tenham sido comedidos
nas ombreiras. Mas, se forem dois
americanos folgados, podem estar
até de camisa havaiana -você será
ensanduichado do mesmo jeito.
Quase ao fim do vôo, as aeromoças, outrora tão orgulhosas de suas
funções, são obrigadas a converter-se em faxineiras e sair recolhendo a
xepa. Os vôos dessas empresas não
oferecem jornais como leitura de
bordo porque, afinal, crianças não
lêem jornais. E comida de adulto
também não tem. Por sorte, quando a fome aperta, a moça aparece e
nos oferece uma barrinha de cereal
com Tota-Tola.
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