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RUY CASTRO
Em horas mortas
RIO DE JANEIRO - Os rapazes
que picharam o Cristo Redentor há
duas semanas, ao perceber que seriam presos, preferiram apresentar-se à polícia carioca. E, talvez para não levar uns cascudos, ofereceram-se para uma punição: vestiram
uniforme, avental e luvas fornecidos pela prefeitura e dedicaram-se
a limpar a nojeira deixada durante
anos por seus colegas de vandalismo, na entrada do túnel Novo, em
Botafogo.
Os pichadores tiveram de dar duro nos solventes e escovas para remover a tinta dos garranchos e garatujas. "Não sabia que era tão difícil de limpar", disse um deles. É
provável que, enquanto admitia isto, pensasse na irresponsável facilidade com que já "escrevera" em fachadas, sem dizer nada de original,
profundo ou compreensível.
Foi-se o tempo em que pichadores tinham algo a declarar, como
"Abaixo a ditadura" ou "FMI: Fome
e Miséria Internacional". Eu próprio, em 1966, rabisquei esta última
com um bastão num muro da Tijuca, em horas mortas, embora estivesse mais interessado na colega
que me acompanhava e com quem
deveria simular um namoro até que
o olheiro, plantado numa esquina,
desse o sinal de tudo bem.
O bastão provocava uma lambança nas mãos, o que nos obrigava a levar querosene e estopa para a tarefa, a fim de apagar suspeitas. Tivéssemos spray na época, e as paredes
do Rio receberiam tratados de Althusser, Débray e Marcuse. Vida
que segue e, nos anos 70, a cidade
seria palco de pichações crípticas,
como "Lerfá Mu" e "Celacanto Provoca Maremoto", cujo sentido nunca ficou claro.
Desde então, o nível dos pichadores caiu para abaixo de zero. O que
não os impede de ter seus defensores. Chamá-los de cretinos, por
exemplo, como faço agora, é certeza
de um enxame de cartas a favor do
seu direito de sujar a propriedade
pública ou particular.
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