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MELCHIADES FILHO
A favorita
BRASÍLIA - É curioso que uma
novela menos explícita que "Duas
Caras" diga mais sobre a política.
Não se sabe até quando João
Emanuel Carneiro conseguirá tocar "A Favorita" sem exagerar na
simplificação ou na caricatura. A
primeira semana foi um tratado sutil sobre a mentira, tal e qual ela se
manifesta na capital da República.
Há o truque barato do deputado
que embroma descaradamente o
eleitorado -que, espero, reserve alguma nuance para fazer justiça ao
talento de Milton Gonçalves.
Mas o resto da trama foi pouco
além da sugestão. Suspeita-se da vigarice por trás de tudo, com a certeza de que há vigarice em tudo. O
executivo com pinta de traficante; o
pai que delata a filha; a encarcerada
que se esconde do filho; o repórter
que se apaixona a cada capítulo para, no seguinte, avançar sobre um
rabo de saia diferente...
E há, sobretudo, o par central: as
mulheres interpretadas por Denise
Abreu e Dilma Rousseff -quer dizer, Patrícia Pillar e Cláudia Raia.
As duas estão ligadas por um crime
terrível. Uma pagou com a prisão e
vive o desprezo da sociedade. A outra ostenta a fartura do poder, cercada de regalias e serviçais. Uma delas, diz a sinopse, falta com a verdade. Talvez as duas faltem. Provavelmente as duas, atiça o autor.
"A Favorita" é uma história de
versões diferentes e conflitantes.
Todos dissimulam. Uma traição parece espreitar cada cena. Por isso
foi inteligente a escolha, para música-tema, de um tango -ao mesmo
tempo enfático e misterioso.
Nada a ver com a novelização escandalosa e o pagode de Aguinaldo
Silva. Não cheguei ao epílogo, mas
aposto que o neocoronel Juvenal
Antena partiu sem nenhuma ambigüidade além das que foram didaticamente encenadas no início.
Claro, havia um pedaço de Brasil
na Portelinha. Mas, no olhar de cachorrinho triste, faminto e ao mesmo tempo perverso de Patrícia Pillar, cabe Brasília inteira.
mfilho@folhasp.com.br
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