São Paulo, sábado, 07 de junho de 2008

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MELCHIADES FILHO

A favorita

BRASÍLIA - É curioso que uma novela menos explícita que "Duas Caras" diga mais sobre a política.
Não se sabe até quando João Emanuel Carneiro conseguirá tocar "A Favorita" sem exagerar na simplificação ou na caricatura. A primeira semana foi um tratado sutil sobre a mentira, tal e qual ela se manifesta na capital da República.
Há o truque barato do deputado que embroma descaradamente o eleitorado -que, espero, reserve alguma nuance para fazer justiça ao talento de Milton Gonçalves.
Mas o resto da trama foi pouco além da sugestão. Suspeita-se da vigarice por trás de tudo, com a certeza de que há vigarice em tudo. O executivo com pinta de traficante; o pai que delata a filha; a encarcerada que se esconde do filho; o repórter que se apaixona a cada capítulo para, no seguinte, avançar sobre um rabo de saia diferente...
E há, sobretudo, o par central: as mulheres interpretadas por Denise Abreu e Dilma Rousseff -quer dizer, Patrícia Pillar e Cláudia Raia.
As duas estão ligadas por um crime terrível. Uma pagou com a prisão e vive o desprezo da sociedade. A outra ostenta a fartura do poder, cercada de regalias e serviçais. Uma delas, diz a sinopse, falta com a verdade. Talvez as duas faltem. Provavelmente as duas, atiça o autor. "A Favorita" é uma história de versões diferentes e conflitantes.
Todos dissimulam. Uma traição parece espreitar cada cena. Por isso foi inteligente a escolha, para música-tema, de um tango -ao mesmo tempo enfático e misterioso.
Nada a ver com a novelização escandalosa e o pagode de Aguinaldo Silva. Não cheguei ao epílogo, mas aposto que o neocoronel Juvenal Antena partiu sem nenhuma ambigüidade além das que foram didaticamente encenadas no início. Claro, havia um pedaço de Brasil na Portelinha. Mas, no olhar de cachorrinho triste, faminto e ao mesmo tempo perverso de Patrícia Pillar, cabe Brasília inteira.


mfilho@folhasp.com.br

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