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À sombra do Irã
Seria um esforço hercúleo, mesmo para o mais fanático dos relativistas, ver na condenação da iraniana Sakineh Ashtiani algo diferente de uma manifestação brutal
e machista de um Estado que se
apresenta como guardião de leis
divinas, mas atua segundo sórdidos desígnios humanos.
Tudo no regime iraniano remete a um mundo anacrônico, sufocante, totalitário. A teocracia dos
aiatolás, presidida pelo patético
Mahmoud Ahmadinejad, a nada
serve de fonte de inspiração, a não
ser ao obscurantismo e ao atraso.
Por razões tortuosas, o Brasil,
na figura do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, veio a estabelecer com o governo do país persa
laços mais estreitos do que o pragmatismo inerente à política externa aconselharia. Foi assim que,
após mais uma de suas célebres
incontinências verbais, o mandatário brasileiro aceitou partir para
a "avacalhação" e interceder a favor da mulher que, viúva, se viu
condenada a ser apedrejada até a
morte por, supostamente, manter
relações com dois homens.
O gesto de Lula foi pautado por
circunstâncias eleitorais. Percebeu, diante de reações da opinião
pública, que não ficaria bem furtar-se a usar seu prestígio na tentativa de salvar Ashtiani -logo
ele, um homem empenhado na
eleição da primeira mulher para a
Presidência da República.
Pessoas de boa índole, militantes dos direitos humanos, mulheres e representantes de movimentos de resistência à repressão iraniana não poderiam deixar de ver
com bons olhos a coreografia do
governante do Brasil. O apelo,
contudo, como já se antecipava,
não seria atendido pelo companheiro Ahmadinejad.
Não se sabe o que irá ocorrer.
Segundo declarações do escritor
Salman Rushdie, em visita ao Brasil, uma nova trama estaria sendo
urdida com o propósito de transformar a "adúltera" em assassina.
Nesse contexto, não deixa de
ser reconfortante a declaração do
advogado da condenada, Mohammad Mostafei, que fugiu do Irã,
em entrevista à Folha. Para ele, a
repercussão internacional alcançada pelo caso poderá evitar a
execução. De fato, não parece ser
uma boa política para o Irã nesse
momento criar uma nova mártir.
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