São Paulo, sábado, 07 de agosto de 2010

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Editoriais

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À sombra do Irã

Seria um esforço hercúleo, mesmo para o mais fanático dos relativistas, ver na condenação da iraniana Sakineh Ashtiani algo diferente de uma manifestação brutal e machista de um Estado que se apresenta como guardião de leis divinas, mas atua segundo sórdidos desígnios humanos.
Tudo no regime iraniano remete a um mundo anacrônico, sufocante, totalitário. A teocracia dos aiatolás, presidida pelo patético Mahmoud Ahmadinejad, a nada serve de fonte de inspiração, a não ser ao obscurantismo e ao atraso.
Por razões tortuosas, o Brasil, na figura do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, veio a estabelecer com o governo do país persa laços mais estreitos do que o pragmatismo inerente à política externa aconselharia. Foi assim que, após mais uma de suas célebres incontinências verbais, o mandatário brasileiro aceitou partir para a "avacalhação" e interceder a favor da mulher que, viúva, se viu condenada a ser apedrejada até a morte por, supostamente, manter relações com dois homens.
O gesto de Lula foi pautado por circunstâncias eleitorais. Percebeu, diante de reações da opinião pública, que não ficaria bem furtar-se a usar seu prestígio na tentativa de salvar Ashtiani -logo ele, um homem empenhado na eleição da primeira mulher para a Presidência da República.
Pessoas de boa índole, militantes dos direitos humanos, mulheres e representantes de movimentos de resistência à repressão iraniana não poderiam deixar de ver com bons olhos a coreografia do governante do Brasil. O apelo, contudo, como já se antecipava, não seria atendido pelo companheiro Ahmadinejad.
Não se sabe o que irá ocorrer. Segundo declarações do escritor Salman Rushdie, em visita ao Brasil, uma nova trama estaria sendo urdida com o propósito de transformar a "adúltera" em assassina.
Nesse contexto, não deixa de ser reconfortante a declaração do advogado da condenada, Mohammad Mostafei, que fugiu do Irã, em entrevista à Folha. Para ele, a repercussão internacional alcançada pelo caso poderá evitar a execução. De fato, não parece ser uma boa política para o Irã nesse momento criar uma nova mártir.


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