São Paulo, sábado, 07 de agosto de 2010

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FERNANDO DE BARROS E SILVA

Adeus a Godot

SÃO PAULO - Plínio de Arruda Sampaio está cada vez mais parecido com Samuel Beckett. O nariz pontiagudo, os vincos muito expressivos no rosto afilado, o olhar meio vidrado e inquisidor, de alguém que está ali para "dizer umas verdades" aos mortais que se comprazem na superfície da vida. Há algo histriônico sob a gravidade do personagem, como nos tipos inesquecíveis do dramaturgo irlandês.
Muita gente achou que Plínio roubou a cena no debate da Band, anteontem à noite. Chamou a candidata de Lula de "dona Dilma", Marina de "ecocapitalista", Serra de "hipocondríaco" e "defensor do latifúndio". O candidato do PSOL virou estrela no Twitter. O evento lhe rendeu -veja que coisa- dois mil novos seguidores no microblog.
O sucesso de Plínio -a despeito de ser ele uma figura muito cativante e respeitável- diz menos das suas qualidades do que de certa irrelevância do debate. A começar pela audiência, de dar inveja a Beckett -só 3 pontos no Ibope.
Entre os quatro debatedores, Plínio Sampaio é o único, de fato, que ainda está esperando Godot. Vocaliza a perspectiva de uma esquerda hipercrítica, anticapitalista, hostil ao mundo colonizado pela mercadoria. É bom que sua candidatura exista e melhor ainda que não tenha chances de chegar ao poder.
A "convergência" entre Dilma, Serra e Marina, que Plínio tanto denuncia, realmente existe. Pode-se enxergá-la pela lente do PSOL, como um "consenso conservador", ou uma confraternização de polianas, em que todos defendem que "o bem deve ser feito e o mal deve ser evitado", como Plínio ironizou.
Mas pode-se ver também nessas candidaturas, sem prejuízo das suas diferenças, a expressão da hegemonia de um certo progressismo no Brasil atual. Até Plínio sabe que não há nomes de direita nesta eleição. Em contrapartida, perdeu apelo aquele "rotundo "não" a tudo que está aí", ao gosto do velho Brizola. Plínio humaniza o teatro democrático. Mas hoje faz papel de Quixote.


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