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FERNANDO DE BARROS E SILVA
Adeus a Godot
SÃO PAULO - Plínio de Arruda
Sampaio está cada vez mais parecido com Samuel Beckett. O nariz
pontiagudo, os vincos muito expressivos no rosto afilado, o olhar
meio vidrado e inquisidor, de alguém que está ali para "dizer umas
verdades" aos mortais que se comprazem na superfície da vida. Há algo histriônico sob a gravidade do
personagem, como nos tipos inesquecíveis do dramaturgo irlandês.
Muita gente achou que Plínio
roubou a cena no debate da Band,
anteontem à noite. Chamou a candidata de Lula de "dona Dilma",
Marina de "ecocapitalista", Serra
de "hipocondríaco" e "defensor do
latifúndio". O candidato do PSOL
virou estrela no Twitter. O evento
lhe rendeu -veja que coisa- dois
mil novos seguidores no microblog.
O sucesso de Plínio -a despeito
de ser ele uma figura muito cativante e respeitável- diz menos das
suas qualidades do que de certa irrelevância do debate. A começar
pela audiência, de dar inveja a Beckett -só 3 pontos no Ibope.
Entre os quatro debatedores, Plínio Sampaio é o único, de fato, que
ainda está esperando Godot. Vocaliza a perspectiva de uma esquerda
hipercrítica, anticapitalista, hostil
ao mundo colonizado pela mercadoria. É bom que sua candidatura
exista e melhor ainda que não tenha chances de chegar ao poder.
A "convergência" entre Dilma,
Serra e Marina, que Plínio tanto denuncia, realmente existe. Pode-se
enxergá-la pela lente do PSOL, como um "consenso conservador",
ou uma confraternização de polianas, em que todos defendem que "o
bem deve ser feito e o mal deve ser
evitado", como Plínio ironizou.
Mas pode-se ver também nessas
candidaturas, sem prejuízo das
suas diferenças, a expressão da hegemonia de um certo progressismo
no Brasil atual. Até Plínio sabe que
não há nomes de direita nesta eleição. Em contrapartida, perdeu apelo aquele "rotundo "não" a tudo que
está aí", ao gosto do velho Brizola.
Plínio humaniza o teatro democrático. Mas hoje faz papel de Quixote.
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