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São Paulo, domingo, 07 de setembro de 2003

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ESTUPIDEZ

É um insulto à inteligência dos cidadãos a estapafúrdia versão, sustentada por agentes penitenciários, de que o chinês naturalizado brasileiro Chan Kim Chang morreu em consequência de lesões que provocou em si mesmo durante um surto psicótico. Chang estava sob custódia nas dependências do presídio estadual fluminense Ary Franco, preso apenas por ter deixado de declarar que estava saindo do país portando mais de US$ 10 mil.
É preciso muito boa vontade para acreditar que esse tipo de ação policial realmente combata a evasão de divisas. Vale lembrar que qualquer um pode remeter quantidades muito maiores -legalmente e sem riscos- através do sistema financeiro. A exigência de declaração nos aeroportos pode até constituir-se num controle útil para a Receita Federal, mas, por não serem devidamente informados, muitos viajantes deixam de cumprir a norma. Se apanhados, como o foi Chang, ficam, aí sim, à mercê de policiais nem sempre bem-intencionados.
Ainda não se sabe ao certo o que aconteceu com Chang entre sua prisão no aeroporto e sua remoção para o Hospital Municipal Salgado Filho, no Rio de Janeiro, mas há fortes indícios de que tenha sido espancado. Não é preciso muita imaginação para especular as razões para tanto. Tortura, violência, corrupção e extorsão fazem parte do cotidiano de delegacias e presídios brasileiros.
A escandalosa morte de Chang não é, infelizmente, um caso isolado. Nestes últimos dias, também ganharam as páginas dos jornais duas outras histórias escabrosas. O garçom Valdinei Sabino da Silva foi arbitrariamente preso acusado de participação na morte do empresário José Nelson Schincariol no mês passado. Como ficou demonstrado depois, ele nada tinha a ver com o assassinato. A inocência, contudo, não o impediu de ser agredido para confessar a autoria do crime, como agora relatam familiares da vítima.
Também é nebuloso o caso do fisiculturista Anderson Rodrigues Teixeira, morto sob custódia de policiais civis em Belo Horizonte. Uma testemunha diz ter visto um policial agredir Teixeira com um par de algemas, ameaçando-o de morte. O episódio é investigado pela Comissão de Direitos Humanos da Assembléia Legislativa mineira.
Essas histórias partilham uma matriz comum. O despreparo das polícias e de agentes ligados à área de segurança. Ainda que com exceções, as polícias brasileiras são incompetentes e violentas. Um de seus principais métodos de investigação continua sendo a tortura. Com baixos salários e sem perspectivas, muitos agentes engrossam as fileiras do crime. Enquanto não houver coragem para abrir e reformular essa caixa-preta, enquanto não forem separados os bons dos maus funcionários e policiais, tentativas de equacionar o problema da segurança pública continuarão condenadas ao fracasso.


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