São Paulo, segunda-feira, 07 de novembro de 2005

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TENDÊNCIA/DEBATES

A distorcida reconciliação iteana

MAURÍCIO PAZINI BRANDÃO


Tenho pelo professor Cerqueira Leite profundo respeito. Mas creio que ele tem menos autoridade do que eu para falar do ITA
Tenho pontos comuns e distintos com o professor Rogério Cezar de Cerqueira Leite. Os comuns: cursamos o ITA (Instituto Tecnológico de Aeronáutica), somos professores universitários e temos interesses (nem sempre coincidentes) sobre energia. Os distintos: a diferença de idade (ele poderia ser meu pai), o fato de ele ser civil, e eu, militar, e o seu privilégio de membro do Conselho Editorial da Folha para apresentar uma versão distorcida da realidade ("A inexorável militarização do ITA", "Tendências/Debates", dia 3/10).
Para começar, não era "meia dúzia de brigadeiros" na mesa, como ele afirma em seu artigo. Eram precisamente três: o diretor-geral do Deped, tenente-brigadeiro Bambini, o diretor do CTA, major-brigadeiro Viana, e o subdiretor de Capacitação, brigadeiro Costa Filho.
A amenidade dos discursos, sem "nenhuma provocação, nenhuma retaliação", é só opinião respeitável do professor. Eu, como iteano, cidadão respeitador das leis, democrata e militar, aplaudi o que achei que cabia ser aplaudido, mas me recolhi em silencioso constrangimento quando algum ponto dos discursos era colocado de forma inadequada a uma sincera reconciliação de ânimos. É mentira do professor, portanto, que todos os militares presentes à cerimônia estavam com "mãos emudecidas, feições carrancudas".
Aqui, saúdo o formando Sérgio Salazar, da turma 1975, que fez uso da palavra iluminado por um verdadeiro espírito de harmonia.
Nenhum militar saúda em seus discursos todos os militares "em ordem hierárquica descendente, de brigadeiros até os sargentos", para, só então, saudar uma autoridade civil. Isso simplesmente não aconteceu. Pelo contrário, os militares conhecem muito bem o protocolo e o praticam com rígida disciplina. Mais uma inverdade do professor!
Isso serviu de pano de fundo para a bandeira maior do artigo, a alegada militarização do ITA. Por coincidência, o artigo veio quando assumiu a reitoria o tenente-brigadeiro Reginaldo dos Santos. Reginaldo, hoje na reserva, é PhD em ótica aplicada e o segundo reitor militar da história do ITA. Antecedeu-lhe o também PhD em computação, brigadeiro Tércio Pacitti, de 1982 a 1984, há mais de 21 anos! Todos os demais 15 reitores, de 1946 até 2005, foram civis.
Esclareço que todos os alunos do primeiro ano do ITA são matriculados no CPOR, que isso ocorre desde 1973, que apenas 25% dos alunos de graduação são militares e que são raros os professores do ITA militares da ativa ou da reserva. Onde está a militarização?
No meio de frases de efeito em que apresenta algumas características do ITA, como disciplina consciente, aconselhamento, relacionamento professor-aluno, respeito pelos horários de aula, formação cultural via centro acadêmico e liberdade de expressão, o professor instila idéias que conduzem o leitor a uma inexorável incompatibilidade entre civis e militares. Coisas do tipo: "Soldado não precisa ser criativo. Precisa obedecer".
Em meio a argumentos que não merecem comentários, o professor cita a visita de um oficial americano ao Instituto de Pesquisas da Marinha (IPqM), qualificando o instituto de "insipiente" (sic). Espero que meus amigos da Marinha perdoem esse erro do professor. Ou não teria sido um erro?
O professor mente ao dizer que "dois ou três meses por ano [os pesquisadores do CTA, não do ITA], trabalham um único período". A verdade: o meio expediente ocorre no mês de janeiro, quando a maioria dos servidores do CTA encontra-se de férias.
O professor distorce a verdade quando se refere à educação física dos oficiais do CTA e quando diz que "uma vez por mês é realizada uma marcha festiva de 8 km. Civis são dispensados do trabalho para assistir".
A verdade: as marchas envolvem todos os militares do Centro, de oficiais a soldados, exceto os alunos e professores militares do ITA. As marchas ocorrem com freqüência diversa da mensal e têm de 8 km a 16 km. Os civis são convidados a participar. Caso declinem o convite, continuam trabalhando. Esclareço que é dever do militar se manter em boa condição física, visando ao cumprimento da missão constitucional que abraçou em juramento solene.
Finalmente, o professor enxerga uma falta de correlação entre a "rotina de escoteiro" e a capacidade de participação do CTA no Programa Nacional de Atividades Espaciais (PNAE). Visão de estadista e de profeta, como se qualificou nas horas vagas. A mesma visão que lhe permitiu qualificar como baixinhos inteligentes os militares Alexandre, o Grande, Pepino, o Breve, e Napoleão, o Corso.
Tenho pelo professor Cerqueira Leite um profundo respeito profissional, além do respeito devido às pessoas mais idosas. Porém, creio que ele tem menos autoridade e atualidade para se manifestar sobre o ITA e o CTA do que eu, que estou na casa desde 1974.
Ademais, faltou-lhe o espírito, que pretendeu ter, de verdadeira reconciliação. Seu artigo é uma peça inoportuna e deformada. Ele contribui negativamente ao congraçamento entre civis e militares que trabalharam e que trabalham no Centro em prol da defesa nacional desde o marechal-do-ar Casimiro Montenegro Filho, nosso fundador.
Maurício Pazini Brandão, 49, PhD, é professor do ITA desde 1979 e coronel-engenheiro da Força Aérea Brasileira.

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