São Paulo, quarta-feira, 08 de janeiro de 2003

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CLAUDIA ANTUNES

Os tempos e o calendário

RIO DE JANEIRO - Se existe uma marca do início do governo Lula, que o diferencia da tradição brasileira, ela é a falta de surpresas. Não há pacotes econômicos nem emendas constitucionais redigidas com antecedência à espera que o novo Congresso os ratifique no roldão da popularidade do presidente recém-eleito.
A impressão é que Lula e os estrategistas do PT trabalham com dois tempos. No primeiro, a promessa de continuidade na política monetária pretende garantir uma folga na pressão do mercado e no arrocho do crédito, enquanto projetos como o Fome Zero canalizam o entusiasmo dos militantes e contêm as "legítimas ansiedades sociais" mencionadas no discurso de posse.
No segundo, ministros em pastas estratégicas mantêm o governo articulado com os movimentos populares, enquanto reformas são negociadas no Conselho de Desenvolvimento Econômico e Social. Além de instrumento de pressão sobre o Legislativo, o conselho deve, segundo Tarso Genro, ajudar "na construção de uma nova maioria política que impeça o retrocesso no país".
No plano ideal, esses dois tempos, às vezes contraditórios, se entrelaçariam dialeticamente, produzindo, a médio prazo, as mudanças qualitativas que a maioria deseja, embora seu sentido não esteja claro. Teoricamente, é uma boa estratégia. Mas falta, como diz o jargão esportivo, combinar com o adversário. Além dos problemas de fundo -para mudar, alguém tem que perder, e confrontos que o PT tenta evitar a todo custo surgirão inevitavelmente-, o calendário político é outro obstáculo.
A idéia de processo, como idealizam os petistas, combina pouco com as exigências de resultados rápidos que daqui a pouco estarão sendo feitas. O Congresso, que elege seu presidente em fevereiro, e os partidos de oposição não poderão ser ignorados. Daqui a menos de dois anos, as eleições municipais serão um marco. Elas indicarão se a aposta do PT no tempo longo deu resultados ou se as urgências falarão mais alto para os eleitores.


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