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CLÓVIS ROSSI
Memórias em dólar
SÃO PAULO - Assumi o posto de
correspondente da Folha em Buenos Aires (1981) quando vigorava
por lá a estupidez do câmbio congelado, o que tornava o dólar (que balizava meu salário) a única coisa barata na Argentina. Fui logo tratar
da matrícula dos três filhos. O valor
dela, dos uniformes e do material
escolar era superior ao meu salário.
Liguei para Boris Casoy, então
diretor de Redação, e disse que estava voltando ao Brasil. Boris pediu
calma que ele resolveria tudo. Resolveu: dobrou o meu salário. Ainda
assim, o dólar valia tão pouco que
éramos obrigados a comprar três
"cucuruchos" (casquinha de sorvete) para dividir entre os cinco
membros da família.
No dia que compramos uma vassoura e era "made in USA", decretei
intimamente que aquele modelo
faliria mais cedo que tarde. Faliu.
É evidente que o Brasil 2007 não
tem parentesco com a Argentina
1981. Mas o problema do dólar pode
ser, de certa forma, até pior. Na Argentina, era só retirar o controle
oficial e o dólar chegaria a seu patamar, digamos, normal.
No Brasil não. Primeiro porque o
câmbio é livre (tão livre quanto pode ser um preço vital como esse).
Segundo porque comprar dólares e
incorporá-los às reservas, como está fazendo o Banco Central, não
funcionou até agora.
Por fim, porque a sabedoria convencional decreta que, reduzindo
mais acentuada e rapidamente os
juros, o dólar subiria, porque cairia
o atrativo de trazê-lo para o Brasil
para apostar nos juros (bem mais
altos que lá fora).
Acontece que o BC jura que os
dólares que estão entrando em catarata e jogam a cotação para baixo
vêm muitíssimo mais das exportações e do investimento externo direito (na produção, não em papéis)
do que da ciranda financeira. Logo,
baixar os juros não faria subir o dólar. Bela sinuca.
O modelo não vai falir, mas muita
gente vai.
crossi@uol.com.br
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