São Paulo, quinta-feira, 08 de fevereiro de 2007

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CLÓVIS ROSSI

Memórias em dólar

SÃO PAULO - Assumi o posto de correspondente da Folha em Buenos Aires (1981) quando vigorava por lá a estupidez do câmbio congelado, o que tornava o dólar (que balizava meu salário) a única coisa barata na Argentina. Fui logo tratar da matrícula dos três filhos. O valor dela, dos uniformes e do material escolar era superior ao meu salário.
Liguei para Boris Casoy, então diretor de Redação, e disse que estava voltando ao Brasil. Boris pediu calma que ele resolveria tudo. Resolveu: dobrou o meu salário. Ainda assim, o dólar valia tão pouco que éramos obrigados a comprar três "cucuruchos" (casquinha de sorvete) para dividir entre os cinco membros da família.
No dia que compramos uma vassoura e era "made in USA", decretei intimamente que aquele modelo faliria mais cedo que tarde. Faliu.
É evidente que o Brasil 2007 não tem parentesco com a Argentina 1981. Mas o problema do dólar pode ser, de certa forma, até pior. Na Argentina, era só retirar o controle oficial e o dólar chegaria a seu patamar, digamos, normal.
No Brasil não. Primeiro porque o câmbio é livre (tão livre quanto pode ser um preço vital como esse).
Segundo porque comprar dólares e incorporá-los às reservas, como está fazendo o Banco Central, não funcionou até agora.
Por fim, porque a sabedoria convencional decreta que, reduzindo mais acentuada e rapidamente os juros, o dólar subiria, porque cairia o atrativo de trazê-lo para o Brasil para apostar nos juros (bem mais altos que lá fora).
Acontece que o BC jura que os dólares que estão entrando em catarata e jogam a cotação para baixo vêm muitíssimo mais das exportações e do investimento externo direito (na produção, não em papéis) do que da ciranda financeira. Logo, baixar os juros não faria subir o dólar. Bela sinuca.
O modelo não vai falir, mas muita gente vai.


crossi@uol.com.br

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