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FERNANDO DE BARROS E SILVA
Drácula
SÃO PAULO - É provável que o leitor, como eu, não saiba grande coisa
a respeito dos procedimentos que
cercam a segurança dos chefes de
Estado. Talvez por isso, como eu,
tenha alguma dificuldade de entender por que a divulgação dos gastos
com cartão corporativo para comprar o que Lula consome à mesa poria em risco a sua integridade.
As "razões de Estado" alegadas
pelos ministros Franklin Martins e
Dilma Rousseff para justificar a retirada dos gastos presidenciais do
Portal da Transparência são uma
espécie de confissão involuntária.
Eles falam a verdade sem dizê-la.
Não é a segurança física do presidente nem, muito menos, o próprio
país que estariam sob ameaça se as
cifras da comilança oficial viessem
a público regularmente. É o mandato de Lula que não resistiria. Só isso.
Parece radical? Talvez. Mas não
acredito que essa seja uma vulnerabilidade só dos petistas ou deste governo. O poder sempre é como conde Drácula: se alimenta na noite e
não resiste à luz do dia. A democracia -o pior regime já criado, excetuados os demais- opera meio às
cegas, como uma lanterna numa
floresta negra. Vislumbramos faixas trêmulas de luz no breu sem saber nada do que está ao nosso lado.
Do pouco que podemos ver, os
exemplos flagrantes de descontrole
com os cartões são mais do que suficientes para revoltar as pessoas.
Mas a reação furiosa também sugere que a classe média até pode invejar o caviar corporativo na boca de
um tucano da USP, mas não tolera a
picanha no prato do petista operário. O PT sabe e usa como álibi.
O primeiro risco da pressão moralizante é desencadear um retrocesso na pouca transparência obtida com os cartões e o portal, em nome das "razões de Estado" e da demonização da "arma" do crime.
Mas não só. Dilma e Franklin correram para blindar Lula porque
perceberam logo o teor explosivo
do assunto. Os R$ 1.400 de uma mesa de sinuca podem provocar estrago muito maior do que os bilhões de
reais que o governo torra em juros.
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