São Paulo, sexta-feira, 08 de fevereiro de 2008

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Fim de festa lá; e aqui?

ROBERTO LUIS TROSTER

O estrago está feito. O foco das atenções agora é a severidade da recessão e seu impacto no resto do mundo

O CRÉDITO no Brasil está vivendo seu melhor momento. Em 2007, as taxas dos empréstimos caíram, os prazos se alongaram, a inadimplência diminuiu e o volume aumentou R$ 200 bilhões, mais de R$ 1.000/habitante, recorde histórico.
Em razão dos empréstimos, as vendas de automóveis e a construção civil, para citar alguns, também superaram todas as marcas de produção e vendas do passado. A expansão do crédito foi o principal propulsor do crescimento econômico em 2007.
Nos EUA, o crédito apresenta um quadro oposto ao brasileiro: inadimplência em alta, padrões de concessão mais rígidos e oferta se retraindo com conseqüências danosas. O setor imobiliário, que era, por causa dos financiamentos, uma das forças da economia, se tornou a trava do país do norte. Muitos se perguntam se o que aconteceu lá pode se repetir aqui.
É oportuno lembrar que o estoque do crédito, quando se expande, acelera a economia e, nas ocasiões em que se contrai, é recessivo. Não é o volume absoluto que é o estímulo; suas variações é que são importantes. Ou seja, uma contração dos financiamentos é perniciosa, pois breca a atividade. Hoje, é a grande preocupação dos condutores da economia norte-americana.
As causas da crise lá foram: a) a elevação da taxa do Fed -tomadores que eram solventes com juros de 1% ao ano não o eram a 5,25%, aumentando a inadimplência; b) comissões relacionadas apenas à aprovação do financiamento, e não a seu pagamento, e, dessa forma, afrouxando critérios e escondendo a má qualidade das carteiras; e 3) a concessão de crédito para alguns tomadores acima de sua capacidade de pagamento.
Quando foram detectados os problemas com os empréstimos imobiliários, o sistema financeiro internacional se assustou, causando o efeito dominó que gerou a turbulência.
Mesmo com as reduções de taxas pelo Fed e o pacote fiscal anunciado, o estrago está feito. O foco das atenções agora é a severidade da recessão e seu impacto no resto do mundo.
As crises externas anteriores se propagaram através do canal financeiro: fuga de capitais, alta do dólar, pressão inflacionária, juros mais elevados e, com isso, desaceleração da atividade econômica interna.
Como as reservas estão elevadas, esse mecanismo de transmissão está razoavelmente protegido. Entretanto, alguns efeitos são esperados. Com a atividade econômica americana arrefecendo, haverá menos exportações, uma valorização menor no real, uma pressão inflacionária maior, juros mais elevados e, dessa forma, menos crescimento.
No Brasil, nos últimos cinco anos, a conjuntura foi favorável a um acréscimo creditício: taxa básica de juros caindo, expectativas de crescimento em alta e uma demanda de financiamentos reprimida.
Mas é um quadro que está trocando os sinais: as previsões para este ano são de que a taxa de juros básica permaneça estável com viés de alta, um crescimento do PIB menor e um saldo menor apresentado pela balança comercial. Também é fato que parte da demanda reprimida de emprestar foi absorvida e a capacidade de endividamento mostra sinais de saturação em alguns segmentos.
Em escala menor, a oferta de crédito no Brasil também apresenta as distorções da norte-americana: 1) possibilidade de alta de juros; 2) um sistema que remunera originadores de crédito apenas na aprovação (os "pastinhas", por exemplo); e 3) algumas concessões de empréstimos acima da capacidade dos tomadores. São indicações de que haverá uma desaceleração na expansão dos financiamentos. Com esse quadro, a prescrição para os condutores da política econômica nacional é promover a expansão do crédito removendo suas travas estruturais (reduzindo tributação direta e indireta, adequando o quadro institucional etc.), corrigir as distorções e adotar medidas para melhorar a dinâmica interna do crescimento, em vez de acentuar a dependência externa.
Surpreendentemente, a atuação do governo é na direção oposta à prescrição: está estreitando os limites de endividamento dos tomadores, aumentando o IOF e os compulsórios (os mais altos do mundo), encolhendo a capacidade de pagamento dos tomadores com gastos públicos crescentes e paralisando as reformas. É a política do pão hoje e amanhã ao deus-dará.
O quadro brasileiro ainda está bom.
Neste ano, o crédito e a economia vão crescer menos, mas vão crescer.
Quanto? Até quando? E no ano que vem? E no próximo?


ROBERTO LUIS TROSTER, 57, economista, doutor em economia pela USP, é sócio da Integral Trust. Foi economista-chefe da Febraban (Federação Brasileira dos Bancos), da ABBC e do Banco Itamarati.
robertotroster@uol.com.br

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