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CLÓVIS ROSSI
A serpente
SÃO PAULO - Uns 20 dias depois dos atentados de 11 de setembro, fui levado ao "ground zero", o epicentro dos
ataques, por um grupo da Universidade Columbia, de Nova York, que,
além de centro de excelência, é também ninho liberal, na acepção norte-americana da palavra, o mais próximo de esquerda que os Estados Unidos se permitem.
Chocou-me o fato de que meus
guias falavam baixinho no metrô
quando se tratava de criticar posições
e/ou ações do governo Bush. Era inquietante em um país que tem na garantia do livre discurso, ao menos para uso interno, uma de suas mais notáveis características.
Achei que poderia ser acidental, devido ao impacto dos atentados, realmente brutal. Só quem viu o buraco
no coração de Nova York é capaz de
entender plenamente algumas das
reações, o que não significa necessariamente justificá-las.
O passar do tempo vem demonstrando que não foi apenas um momento. A maneira de tratar os prisioneiros na base de Guantánamo, denunciada pela Human Rights Watch,
a campanha macartista contra artistas que se opõem à guerra, os discursos do presidente -tudo vai compondo uma sombria cadeia.
O ponto culminante parece ter sido
o discurso de anteontem, em que o
presidente ameaça usar a força, com
ou sem o apoio da ONU, virtualmente declarando o multilateralismo um
cadáver insepulto.
Javier Pérez Royo, colunista do jornal espanhol "El País", lembrou adequadamente ontem que a Declaração de Independência dos EUA cita
"respeito decente às opiniões da humanidade" como fundamental
quando se torna necessário a um povo "dissolver os laços que o uniam a
outro" (povo).
O unilateralismo descontrolado da
administração norte-americana rasga na prática a Declaração de Independência e lança sobre o planeta a
sombra de um novo e assustador ovo
da serpente.
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