São Paulo, quarta-feira, 08 de maio de 2002

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ANTONIO DELFIM NETTO

O mercado nunca erra?

A última semana foi, do ponto de vista econômico, de apreensão: o câmbio sofreu ligeira desvalorização ao mesmo tempo em que houve um aumento do "spread" (a medida do risco) dos papéis brasileiros. O movimento teria sido produzido pela notícia de que alguns bancos importantes no mercado internacional de capitais recomendaram a redução da porcentagem de papéis brasileiros nos portfólios de seus clientes. E o que os teria motivado a realizar tal recomendação? A convicção de que o candidato do governo tem dificuldades e que, portanto, aumentou a probabilidade de que o sr. Luiz Inácio Lula da Silva venha a ser eleito presidente do Brasil.
Os bancos, até poucos dias atrás, faziam abertamente, em inglês, a apologia da candidatura do sr. José Serra. Um deles, num documento de oito páginas do início de abril; o outro, num documento de 60 páginas, com a mais completa cobertura da vida e dos programas dos candidatos, e o terceiro, num documento de 20 páginas publicado há poucas semanas. O texto e a cobertura eram de tal forma viesados a favor do governo que vários analistas brasileiros condenaram o que seria uma "interferência externa no processo eleitoral".
O que parece interessante é perguntar se, nas últimas duas semanas, teriam eles tido acesso a informações privilegiadas, sonegadas a toda a sociedade brasileira, que demonstrassem que aumentou a probabilidade de eleição do sr. Lula ou se se trata de simples palpites colhidos em Brasília nas rodas noturnas de pôquer e nos restaurantes, obtidos "in whiskey veritas", de ex-quase grandes lideranças políticas... Por outro lado, de onde tiraram tais instituições a idéia de que "o aumento da probabilidade da eleição do sr. Lula" produziria uma política econômica radicalmente diferente da atual -que elas não se cansaram de louvar (por magníficos motivos) nos últimos oito anos? E como explicariam o aumento dos "spreads" dos outros emergentes, que também ocorreu? Será que Lula ameaça o mundo?
Dos programas conhecidos do PT e do PSDB não pode ser, porque, apesar do esforço retórico, eles são apenas marginalmente diferentes. Os dois querem: 1) equilíbrio fiscal; 2) metas inflacionárias; 3) melhoria dos gastos sociais; 4) redução da vulnerabilidade externa; 5) política industrial ativa (com crédito subsidiado) e 6) manter a CPMF! Nenhum dos dois propõe o "calote", ainda que o PT tenha aprovado a equivocada sugestão da CNBB sobre a dívida externa. Nenhum dos dois espera poder contornar a reforma tributária e a reforma previdenciária.
Não vamos ter ilusão. O programa de estabilidade do real terá sido um dos mais custosos de quantos se realizaram no mundo em termos de crescimento e de emprego e pela horrível herança que deixa. Ele certamente foi imensamente lucrativo para o sistema financeiro nacional e internacional que o sustentou. A política econômica precisa mesmo ser mudada (ainda que os bancos não o desejem). Na minha opinião, essa mudança será muito mais profunda com José Serra do que com Luiz Inácio Lula da Silva. Como de costume, o tal "mercado" está mal informado...


Antonio Delfim Netto escreve às quartas-feiras nesta coluna.

dep.delfimnetto@camara.gov.br



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