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ANTONIO DELFIM NETTO
O mercado nunca erra?
A última semana foi, do ponto de
vista econômico, de apreensão: o
câmbio sofreu ligeira desvalorização
ao mesmo tempo em que houve um
aumento do "spread" (a medida do
risco) dos papéis brasileiros. O movimento teria sido produzido pela notícia de que alguns bancos importantes
no mercado internacional de capitais
recomendaram a redução da porcentagem de papéis brasileiros nos portfólios de seus clientes. E o que os teria
motivado a realizar tal recomendação? A convicção de que o candidato
do governo tem dificuldades e que,
portanto, aumentou a probabilidade
de que o sr. Luiz Inácio Lula da Silva
venha a ser eleito presidente do Brasil.
Os bancos, até poucos dias atrás, faziam abertamente, em inglês, a apologia da candidatura do sr. José Serra.
Um deles, num documento de oito
páginas do início de abril; o outro,
num documento de 60 páginas, com a
mais completa cobertura da vida e dos
programas dos candidatos, e o terceiro, num documento de 20 páginas publicado há poucas semanas. O texto e
a cobertura eram de tal forma viesados a favor do governo que vários analistas brasileiros condenaram o que
seria uma "interferência externa no
processo eleitoral".
O que parece interessante é perguntar se, nas últimas duas semanas, teriam eles tido acesso a informações
privilegiadas, sonegadas a toda a sociedade brasileira, que demonstrassem que aumentou a probabilidade de
eleição do sr. Lula ou se se trata de
simples palpites colhidos em Brasília
nas rodas noturnas de pôquer e nos
restaurantes, obtidos "in whiskey veritas", de ex-quase grandes lideranças
políticas... Por outro lado, de onde tiraram tais instituições a idéia de que
"o aumento da probabilidade da eleição do sr. Lula" produziria uma política econômica radicalmente diferente
da atual -que elas não se cansaram
de louvar (por magníficos motivos)
nos últimos oito anos? E como explicariam o aumento dos "spreads" dos
outros emergentes, que também ocorreu? Será que Lula ameaça o mundo?
Dos programas conhecidos do PT e
do PSDB não pode ser, porque, apesar
do esforço retórico, eles são apenas
marginalmente diferentes. Os dois
querem: 1) equilíbrio fiscal; 2) metas
inflacionárias; 3) melhoria dos gastos
sociais; 4) redução da vulnerabilidade
externa; 5) política industrial ativa
(com crédito subsidiado) e 6) manter
a CPMF! Nenhum dos dois propõe o
"calote", ainda que o PT tenha aprovado a equivocada sugestão da CNBB
sobre a dívida externa. Nenhum dos
dois espera poder contornar a reforma tributária e a reforma previdenciária.
Não vamos ter ilusão. O programa
de estabilidade do real terá sido um
dos mais custosos de quantos se realizaram no mundo em termos de crescimento e de emprego e pela horrível
herança que deixa. Ele certamente foi
imensamente lucrativo para o sistema
financeiro nacional e internacional
que o sustentou. A política econômica
precisa mesmo ser mudada (ainda
que os bancos não o desejem). Na minha opinião, essa mudança será muito
mais profunda com José Serra do que
com Luiz Inácio Lula da Silva. Como
de costume, o tal "mercado" está mal
informado...
Antonio Delfim Netto escreve às quartas-feiras
nesta coluna.
dep.delfimnetto@camara.gov.br
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