São Paulo, segunda-feira, 08 de maio de 2006

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O estadista e o político


Está chegando a hora de, democraticamente, elegermos um estadista para presidir o Estado brasileiro

CARLOS DE MEIRA MATTOS

Nas proximidades das eleições para presidente da República e diante do clima de efervescência eleitoral já observado, torna-se oportuno uma profunda reflexão sobre as desejadas qualidades de nosso futuro chefe de Estado. Não se deve perder de vista que se trata do futuro do Brasil, da prosperidade da nação.
Cabe aqui lembrarmos do conceito do ex-presidente dos EUA Woodrow Wilson, professor-patrono da Universidade Princeton, autor de inúmeros livros: "Estadista é aquele que interpreta e defende o interesse do Estado, e político é aquele que defende o interesse do partido". Já o nosso Rui Barbosa, em tom menos acadêmico, mais nacional, crítico e irônico diz: "Toda capacidade de nossos "estadistas" se esvai na intriga, na astúcia, na cabala, na vingança, na inveja, na condescendência com o abuso, na salvação das aparência, no desleixo do futuro". Está se vendo que Rui está nos apontando o que "não é um estadista" e escreveu isto há mais de um século em "Colunas de Fogo". Dá para pensar!
Está chegando a hora de, democraticamente, elegermos um estadista para presidir o Estado brasileiro. O Brasil precisa, urgentemente, de um presidente competente e honrado que conduza a política nacional orientada pelos interesses permanentes do Estado -soberania, integridade territorial, integração nacional, democracia, educação, desenvolvimento sócio-econômico, paz social. As políticas setoriais e regionais não podem ameaçar ou contrariar esses superiores interesses do Estado .
Trata-se de governar um Estado que dispõe de enorme e riquíssimo território, metade do subcontinente sul-americano, mais da metade ainda inexplorado; possuidor de imensa fronteira para vigiar e defender; abrigando uma população que vai se aproximando de 200 milhões, na sua maioria extremamente carente de alimentação, educação, saúde, habitação, emprego condigno . Uma nação que, segundo o nosso grande sociólogo Gilberto Freyre, tem tudo para progredir, mas que pelo desgoverno e descontinuidade de sua política deixou-se atrasar em pelo menos 50 anos em relação aos países do Primeiro Mundo.
No passado, desde os tempos coloniais, tivemos estadistas que foram capazes de interpretar o verdadeiro interesse do país, graças aos quais herdamos a maior dádiva da nossa história -a preservação da unidade nacional e a integridade de nosso território. Vamos nomeá-los: Pombal, Alexandre de Gusmão, José Bonifácio, Caxias, Rio Branco.
Por falta de grandes partidos programáticos que saibam conjugar suas políticas setoriais e regionais sem se afastar da fidelidade aos interesses superiores do Estado, desde a República o país é governado por políticos personalistas, alguns muito bem intencionados, cada qual com seu programa próprio, ignorando aquilo que de bom herdou de seu antecessor. Daí a descontinuidade na gestão da maioria das reformas e obras necessárias, iniciadas e largadas inacabadas. A política nacional está entregue ao arbítrio de líderes que alcançaram a chefia da nação e que governam de acordo com idéias próprias ou de seu grupo palaciano, sem nenhum controle por seus partidos, que, terminada a eleição, ficam submetidos à postura personalista do candidato que elegeram.
Nas grandes democracias norte-americana e inglesa, dois grandes partidos interpretam e exprimem, nos seus programas, suas posições na defesa dos superiores interesses do Estado. Seus políticos não podem, impunemente, desviar-se da linha partidária. Assim, a gestão administrativa da nação não sofre das disjunções personalistas e temperamentais do chefe do governo.
No Brasil, as propostas de reformas políticas e eleitorais tentando valorizar os partidos, buscando identificá-los com as autênticas aspirações nacionais, tornando-os mais representativos, responsáveis pelo processo político-administrativo, nunca conseguiram ser aprovadas, rejeitadas por grandes maiorias dos parlamentares, que preferem um sistema onde possam exercer a sua demagogia individual.
Bem que o presidente Castelo Branco, utilizando do poder que a Revolução lhe conferiu, conseguiu fazer aprovar pelo Congresso uma reforma política que, aumentando as exigências de representatividade para a formação dos partidos, obteve a correção da profusão nefasta de minúsculas agremiações partidárias criadas para negociar alianças rendosas. Foram criados dois grandes partidos: Arena e PSD. Castelo Branco, para conseguir essa reforma, teve o apoio de políticos de cuja formação democrática e liberal ninguém podia duvidar: Milton Campos, Luiz Viana Filho, Adauto Lucio Cardoso, Pedro Aleixo e outros. Mas este sistema de dar poder ao partido, diminuindo o espaço demagógico individual, nunca agradou à maioria de nossos políticos, que na primeira oportunidade o sepultaram. Em nome da abertura, voltamos a esta mixórdia partidária que aí está.
Ninguém tem dúvida que o povo espera do próximo governo um amplo e bem planejado programa de desenvolvimento político e social que desperte as potencialidades deste país. Um programa que impulsione o atendimento das necessidades vitais de educação, saúde, alimentação, moradia, reforma política e eleitoral, transportes, produção, paz social, segurança, defesa; que transforme em riqueza nossos recursos inexplorados; que comece a nos tirar do atraso social; que revigore o poder nacional a fim de proteger nossa soberania perante um mundo intranqüilo e conflitante .


Carlos de Meira Mattos, 92, doutor em ciência política e general reformado do Exército, é veterano da Segunda Guerra Mundial e conselheiro da Escola Superior de Guerra.


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