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O estadista e o político
Está chegando a hora de, democraticamente, elegermos um estadista para presidir o Estado brasileiro
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CARLOS DE MEIRA MATTOS
Nas proximidades das eleições
para presidente da República e
diante do clima de efervescência eleitoral já observado, torna-se oportuno
uma profunda reflexão sobre as desejadas qualidades de nosso futuro chefe de
Estado. Não se deve perder de vista que
se trata do futuro do Brasil, da prosperidade da nação.
Cabe aqui lembrarmos do conceito do
ex-presidente dos EUA Woodrow Wilson, professor-patrono da Universidade Princeton, autor de inúmeros livros:
"Estadista é aquele que interpreta e defende o interesse do Estado, e político é
aquele que defende o interesse do partido". Já o nosso Rui Barbosa, em tom
menos acadêmico, mais nacional, crítico e irônico diz: "Toda capacidade de
nossos "estadistas" se esvai na intriga, na
astúcia, na cabala, na vingança, na inveja, na condescendência com o abuso, na
salvação das aparência, no desleixo do
futuro". Está se vendo que Rui está nos
apontando o que "não é um estadista" e
escreveu isto há mais de um século em
"Colunas de Fogo". Dá para pensar!
Está chegando a hora de, democraticamente, elegermos um estadista para
presidir o Estado brasileiro. O Brasil
precisa, urgentemente, de um presidente competente e honrado que conduza a
política nacional orientada pelos interesses permanentes do Estado -soberania, integridade territorial, integração
nacional, democracia, educação, desenvolvimento sócio-econômico, paz social. As políticas setoriais e regionais
não podem ameaçar ou contrariar esses
superiores interesses do Estado .
Trata-se de governar um Estado que
dispõe de enorme e riquíssimo território, metade do subcontinente sul-americano, mais da metade ainda inexplorado; possuidor de imensa fronteira para vigiar e defender; abrigando uma população que vai se aproximando de 200
milhões, na sua maioria extremamente
carente de alimentação, educação, saúde, habitação, emprego condigno . Uma
nação que, segundo o nosso grande sociólogo Gilberto Freyre, tem tudo para
progredir, mas que pelo desgoverno e
descontinuidade de sua política deixou-se atrasar em pelo menos 50 anos em relação aos países do Primeiro Mundo.
No passado, desde os tempos coloniais, tivemos estadistas que foram capazes de interpretar o verdadeiro interesse do país, graças aos quais herdamos a maior dádiva da nossa história
-a preservação da unidade nacional e
a integridade de nosso território. Vamos nomeá-los: Pombal, Alexandre de
Gusmão, José Bonifácio, Caxias, Rio
Branco.
Por falta de grandes partidos programáticos que saibam conjugar suas políticas setoriais e regionais sem se afastar
da fidelidade aos interesses superiores
do Estado, desde a República o país é
governado por políticos personalistas,
alguns muito bem intencionados, cada
qual com seu programa próprio, ignorando aquilo que de bom herdou de seu
antecessor. Daí a descontinuidade na
gestão da maioria das reformas e obras
necessárias, iniciadas e largadas inacabadas. A política nacional está entregue
ao arbítrio de líderes que alcançaram a
chefia da nação e que governam de
acordo com idéias próprias ou de seu
grupo palaciano, sem nenhum controle
por seus partidos, que, terminada a eleição, ficam submetidos à postura personalista do candidato que elegeram.
Nas grandes democracias norte-americana e inglesa, dois grandes partidos
interpretam e exprimem, nos seus programas, suas posições na defesa dos superiores interesses do Estado. Seus políticos não podem, impunemente, desviar-se da linha partidária. Assim, a gestão administrativa da nação não sofre
das disjunções personalistas e temperamentais do chefe do governo.
No Brasil, as propostas de reformas
políticas e eleitorais tentando valorizar
os partidos, buscando identificá-los
com as autênticas aspirações nacionais,
tornando-os mais representativos, responsáveis pelo processo político-administrativo, nunca conseguiram ser aprovadas, rejeitadas por grandes maiorias
dos parlamentares, que preferem um
sistema onde possam exercer a sua demagogia individual.
Bem que o presidente Castelo Branco,
utilizando do poder que a Revolução lhe
conferiu, conseguiu fazer aprovar pelo
Congresso uma reforma política que,
aumentando as exigências de representatividade para a formação dos partidos, obteve a correção da profusão nefasta de minúsculas agremiações partidárias criadas para negociar alianças
rendosas. Foram criados dois grandes
partidos: Arena e PSD. Castelo Branco,
para conseguir essa reforma, teve o
apoio de políticos de cuja formação democrática e liberal ninguém podia duvidar: Milton Campos, Luiz Viana Filho,
Adauto Lucio Cardoso, Pedro Aleixo e
outros. Mas este sistema de dar poder
ao partido, diminuindo o espaço demagógico individual, nunca agradou à
maioria de nossos políticos, que na primeira oportunidade o sepultaram. Em
nome da abertura, voltamos a esta mixórdia partidária que aí está.
Ninguém tem dúvida que o povo espera do próximo governo um amplo e
bem planejado programa de desenvolvimento político e social que desperte as
potencialidades deste país. Um programa que impulsione o atendimento das
necessidades vitais de educação, saúde,
alimentação, moradia, reforma política
e eleitoral, transportes, produção, paz
social, segurança, defesa; que transforme em riqueza nossos recursos inexplorados; que comece a nos tirar do atraso
social; que revigore o poder nacional a
fim de proteger nossa soberania perante
um mundo intranqüilo e conflitante .
Carlos de Meira Mattos, 92, doutor em ciência
política e general reformado do Exército, é veterano da Segunda Guerra Mundial e conselheiro da Escola Superior de Guerra.
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