São Paulo, sábado, 08 de maio de 2010

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FERNANDO DE BARROS E SILVA

Maria Amélia

SÃO PAULO - Maria Amélia conta que conheceu Sérgio Buarque de Holanda na sede do Jockey Club do Rio, numa noite de Carnaval de 1934. O entrevistador então lhe pergunta: "Mas e a história do namoro, do noivado?". E ela, sorridente: "Essas coisas não têm história. Aconteceram. Só".
A cena, de um despojamento que desconcerta e emociona, está logo no início do documentário "Raízes do Brasil: uma cinebiografia de Sérgio Buarque de Holanda", dirigido por Nelson Pereira dos Santos. O filme foi lançado em 2003, 21 anos depois da morte do historiador.
O registro é bem "caseiro", quase amador. Nelson Pereira filma como alguém "da família". O resultado fica entre o desprendimento total e a reverência cheia de humor pelo personagem. Há muito zelo, mas nenhuma solenidade nos depoimentos. E em tudo sobra afeto.
Não há história, as coisas apenas "aconteceram". Quase como convidados secretos, somos colocados diante do que o Brasil tem de melhor, de mais singelo.
É comovente rever o filme agora, após a morte de Memélia, como é conhecida a mãe de Chico Buarque. Ao falar dela, o compositor Paulo Vanzolini destaca a mistura de "dureza" e "doçura" da sua personalidade e diz que "a maior prova de inteligência que Serjão deu foi ter casado com Maria Amélia".
Apesar de nascer em berço tradicional (Cesário Alvim) e se manter católica, Memélia se refere com orgulho ao ambiente "anticonvencional" da família que construiu. Diz que na sua casa ninguém dava valor a certas coisas, como "ser grã-fino".
Já no finalzinho da sua vida, Sérgio Buarque comentou com a mulher que seria muito bom se pudesse fazer uma história do Brasil contada não a partir do ponto de vista dos governantes e dos dirigentes, mas dos governados e dos pobres. "O Brasil fotografado de baixo para cima, de dentro para fora", ela explica. E arremata: "Ele não teve tempo, mas seria uma beleza, também acho. Vocês não acham?".


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