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RUY CASTRO
Vida na rua
RIO DE JANEIRO - Era uma livraria na rua Dias Ferreira, no Leblon.
As bancadas dos livros tinham sido
recrutadas entre os móveis e utensílios de uma tipografia de 1900,
com os tipos de chumbo transbordando dos caixotins, as pilhas de
clichês velhos, as amarras, as ramas, os componedores e até uma
guilhotina -objetos incompreensíveis para a maioria dos clientes e, ao
mesmo tempo, tão a propósito: talvez tivessem ajudado a compor e
imprimir os tataravôs dos livros novos, de história, urbanismo e artes
gráficas, especialidades da casa.
A dois quarteirões dali, um sebo,
o mais charmoso do Rio nos últimos 20 anos, e também cheio de
bossa: grande literatura em várias
línguas, fotos de craques do passado
nas paredes, um gato preto chamado Zulu e sempre alguém interessante folheando alguma coisa. Certa noite, ouvi quando a bonita
mulher de um diretor de televisão,
olhando intrigada para as estantes,
comentou: "Que engraçado! Quanto livro velho!".
Já faz tempo que nenhum dos
dois existe mais. A livraria é hoje
um laboratório de análises químicas, campeão em biópsias e exames
de urina. O sebo tornou-se uma butique ou confecção -uma grife. O
inconveniente é que, enquanto a livraria e o sebo ficavam abertos até
tarde, acolhendo os livrescos notívagos e solitários, seus sucessores
encerram às 6, com dia claro, e condenam boa parte de seus quarteirões ao escuro e ao nada.
O mesmo acontece quando fecha
um cinema de rua e, com ele, evaporam-se da calçada o pipoqueiro, a fila, a paquera bem-sucedida, o reencontro de amigos e a oportunidade
do convívio social onde ele melhor
se realiza: no amplo espaço público.
Você dirá que, para cada livraria, cinema ou loja de discos que fecha,
abre uma pizzaria, um sushi-viagem ou um yogoberry.
Desculpe, mas não acho que seja
a mesma coisa.
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