São Paulo, sábado, 08 de junho de 2002

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TENDÊNCIAS/DEBATES

Deveria ser cumprida a noventena na cobrança da CPMF?

NÃO

A noventena supérflua

GERALDO MELO

A anterioridade fiscal foi introduzida na Constituição como uma garantia ao contribuinte, o que reveste esse princípio da condição de cláusula pétrea, insuscetível, portanto, de violação pelo Congresso ordinário.
Graças a esse princípio, ficou o poder público impedido de cobrar tributos "no mesmo exercício financeiro em que haja sido publicada a lei que os instituiu ou aumentou", conforme estabelece a alínea b do inciso III do artigo 150.
Essa norma geral foi mitigada no parágrafo 6º do art. 195, que trata do financiamento da seguridade social através de contribuições a serem criadas e que serão pagas pelo empregador, pelo trabalhador e pelos concursos de prognósticos. Nesses casos, e somente nesses casos, a anterioridade não precisa ir de um exercício financeiro ao outro, bastando, para o início da cobrança efetiva, que haja um intervalo de 90 dias a partir da data da publicação da lei que as houver instituído ou modificado.
E por que somente nesses casos?
A redação do parágrafo 6º do art. 195 dispõe: "as contribuições sociais de que trata este artigo só poderão ser exigidas após decorridos 90 dias da data da publicação da lei que as houver instituído ou modificado, não se lhes aplicando o disposto no art. 150, III, b".
Parece claro que o prazo de 90 dias deve se aplicar às contribuições sociais de que trata o art. 195. A CPMF não é uma delas.
O art. 195 da Constituição não cogita outras contribuições sociais, além daquelas enumeradas no "caput".
Permite, é verdade, no parágrafo 4º, que a lei venha a instituir "outras fontes destinadas a garantir a manutenção ou expansão da seguridade social, obedecido o disposto no art. 154, I".
O cuidado que teve o legislador de não usar, neste parágrafo 4º, a expressão "contribuição" e a remissão feita ao inciso I do art. 154 deixam claro que as "outras fontes" serão impostos e não contribuições, como evidencia a leitura do inciso I do art. 154:
"A União poderá instituir:
I. mediante lei complementar, impostos não previstos no artigo anterior, desde que sejam não-cumulativos e não tenham fato gerador ou base de cálculo próprios dos discriminados nesta Constituição."
Se aceito este entendimento, pode-se concluir que a exigência do prazo de 90 dias entre a publicação da lei que a instituísse e o início da sua vigência não se aplicaria à CPMF, ainda que essa contribuição estivesse sendo criada agora.
Essa interpretação não favorece a celeridade da cobrança da contribuição, mas a transferência da sua exigibilidade para o exercício financeiro seguinte, já que a norma mitigadora do prazo da anterioridade fiscal não a beneficia, prevalecendo, assim, o princípio geral estatuído no art. 150 -ou seja, a sua cobrança só seria possível no ano seguinte à sua criação.
Ora, a anualidade é imposta à cobrança dos tributos instituídos ou aumentados. Este não é o caso da proposta que se discute sobre a prorrogação da CPMF, que só pode ser prorrogada porque já existe.
O que trouxe a questão da anterioridade para o bojo da discussão foi o fato de haver sido incluída na proposta de prorrogação a exigência de obediência ao estabelecido no parágrafo 6º do art. 195. A noventena, portanto, foi trazida para este caso por iniciativa dos autores da proposta de emenda à Constituição, e não por um imperativo constitucional que, de outro modo, não se aplicaria à prorrogação de uma contribuição já existente.
A decisão adotada pelo Senado federal, ao votar a proposta em primeiro turno, de excluir do texto esse aposto elimina, assim, a necessidade de qualquer prazo entre a decisão final de prorrogar a cobrança da CPMF e o início efetivo dessa cobrança, sem que se pratique, com isso, o mais leve arranhão ao princípio constitucional da anterioridade fiscal.
Claro que a discussão dessa matéria no Congresso fez brotar uma outra vertente: a da inoportunidade da CPMF sobrepondo-se à carga tributária insuportável com que estamos convivendo.
Embora concorde com os que defendem a urgência da reforma tributária, sustento que outros impostos devem ser suprimidos. Não este, que é o mais moderno, o mais justo, o mais eficiente de todos os que temos -e o único insonegável. Mas isso já é outra conversa.


Geraldo Melo, 66, senador pelo PSDB-RN, é líder do partido no Senado.



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