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TENDÊNCIAS/DEBATES
Deveria ser cumprida a noventena na cobrança da CPMF?
NÃO
A noventena supérflua
GERALDO MELO
A anterioridade fiscal foi introduzida na Constituição como uma
garantia ao contribuinte, o que reveste
esse princípio da condição de cláusula
pétrea, insuscetível, portanto, de violação pelo Congresso ordinário.
Graças a esse princípio, ficou o poder
público impedido de cobrar tributos
"no mesmo exercício financeiro em que
haja sido publicada a lei que os instituiu
ou aumentou", conforme estabelece a
alínea b do inciso III do artigo 150.
Essa norma geral foi mitigada no parágrafo 6º do art. 195, que trata do financiamento da seguridade social através
de contribuições a serem criadas e que
serão pagas pelo empregador, pelo trabalhador e pelos concursos de prognósticos. Nesses casos, e somente nesses casos, a anterioridade não precisa ir de um
exercício financeiro ao outro, bastando,
para o início da cobrança efetiva, que
haja um intervalo de 90 dias a partir da
data da publicação da lei que as houver
instituído ou modificado.
E por que somente nesses casos?
A redação do parágrafo 6º do art. 195
dispõe: "as contribuições sociais de que
trata este artigo só poderão ser exigidas
após decorridos 90 dias da data da publicação da lei que as houver instituído
ou modificado, não se lhes aplicando o
disposto no art. 150, III, b".
Parece claro que o prazo de 90 dias deve se aplicar às contribuições sociais de
que trata o art. 195. A CPMF não é uma
delas.
O art. 195 da Constituição não cogita
outras contribuições sociais, além daquelas enumeradas no "caput".
Permite, é verdade, no parágrafo 4º,
que a lei venha a instituir "outras fontes
destinadas a garantir a manutenção ou
expansão da seguridade social, obedecido o disposto no art. 154, I".
O cuidado que teve o legislador de não
usar, neste parágrafo 4º, a expressão
"contribuição" e a remissão feita ao inciso I do art. 154 deixam claro que as
"outras fontes" serão impostos e não
contribuições, como evidencia a leitura
do inciso I do art. 154:
"A União poderá instituir:
I. mediante lei complementar, impostos não previstos no artigo anterior,
desde que sejam não-cumulativos e não
tenham fato gerador ou base de cálculo
próprios dos discriminados nesta Constituição."
Se aceito este entendimento, pode-se
concluir que a exigência do prazo de 90
dias entre a publicação da lei que a instituísse e o início da sua vigência não se
aplicaria à CPMF, ainda que essa contribuição estivesse sendo criada agora.
Essa interpretação não favorece a celeridade da cobrança da contribuição,
mas a transferência da sua exigibilidade
para o exercício financeiro seguinte, já
que a norma mitigadora do prazo da
anterioridade fiscal não a beneficia, prevalecendo, assim, o princípio geral estatuído no art. 150 -ou seja, a sua cobrança só seria possível no ano seguinte
à sua criação.
Ora, a anualidade é imposta à cobrança dos tributos instituídos ou aumentados. Este não é o caso da proposta que se
discute sobre a prorrogação da CPMF,
que só pode ser prorrogada porque já
existe.
O que trouxe a questão da anterioridade para o bojo da discussão foi o fato
de haver sido incluída na proposta de
prorrogação a exigência de obediência
ao estabelecido no parágrafo 6º do art.
195. A noventena, portanto, foi trazida
para este caso por iniciativa dos autores
da proposta de emenda à Constituição,
e não por um imperativo constitucional
que, de outro modo, não se aplicaria à
prorrogação de uma contribuição já
existente.
A decisão adotada pelo Senado federal, ao votar a proposta em primeiro
turno, de excluir do texto esse aposto
elimina, assim, a necessidade de qualquer prazo entre a decisão final de prorrogar a cobrança da CPMF e o início efetivo dessa cobrança, sem que se pratique, com isso, o mais leve arranhão ao
princípio constitucional da anterioridade fiscal.
Claro que a discussão dessa matéria
no Congresso fez brotar uma outra vertente: a da inoportunidade da CPMF sobrepondo-se à carga tributária insuportável com que estamos convivendo.
Embora concorde com os que defendem a urgência da reforma tributária,
sustento que outros impostos devem
ser suprimidos. Não este, que é o mais
moderno, o mais justo, o mais eficiente
de todos os que temos -e o único insonegável. Mas isso já é outra conversa.
Geraldo Melo, 66, senador pelo PSDB-RN, é líder do partido no Senado.
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