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TENDÊNCIAS/DEBATES
A área da saúde deve receber mais recursos públicos para resolver a crise?
NÃO
Mais eficiência no gasto
RAUL VELLOSO
A CONSTITUIÇÃO de 1988 mandou as administrações públicas gastarem mais recursos em
assistência social, Previdência, saúde
e pessoal. Imaginava-se resgatar a
"dívida social" acumulada nos anos
anteriores.
Quem largou na frente foram os benefícios assistenciais ou fortemente
subsidiados, puxados pela criação de
novos programas (como Bolsa Família) e pelo aumento do salário mínimo
(o benefício mínimo do INSS). Em segundo lugar, vieram os benefícios acima de um salário mínimo pagos pelo
INSS. Nesses dois casos, nunca faltaria dinheiro, pois a Constituição mandou também que qualquer déficit no
INSS fosse coberto pelo Tesouro.
O item pessoal aparece na lista de
prioridades pois foi estabelecido que
o regime jurídico do funcionalismo
teria de ser único. Este, obviamente,
pressionou para que o regime escolhido fosse o estatutário, por ser o que
oferece maior volume de benefícios,
incluindo estabilidade no emprego e
aposentadoria integral. Chocante: só
na União, incorporaram-se ao regime
estatutário cerca de 400 mil regidos
anteriormente pela CLT, muitos dos
quais estão hoje na folha de inativos.
Já o gasto do setor de saúde, em que
pese a prioridade constitucional, custou a se afirmar no Orçamento, em
grande medida por se tratar de despesa menos complicada de ser contida.
Trata-se, basicamente, de pagamentos a hospitais conveniados (SUS), cuja contenção pode gerar ruído nos
hospitais, mas nunca o clamor que o
atraso de pagamentos de benefícios
do INSS, por exemplo, causaria nos
bancos que efetuam os pagamentos.
Criou-se a famigerada CPMF, com
vinculação original exclusiva à área
de saúde -só que, na prática, essa vinculação pôde ser desfeita por vários
caminhos (que não vêm aqui ao caso).
Sabendo do drible que pode ser dado na vinculação de receitas, o então
ministro da área propôs medida que
atuasse "diretamente na veia" em favor do segmento. A chamada emenda
Serra estabeleceu a regra de o gasto
crescer no mínimo à mesma taxa de
crescimento nominal do PIB a partir
de 2001. Com isso, a saúde se tornou o
único segmento do Orçamento que
hoje está protegido por uma regra de
crescimento mínimo do gasto.
Ou seja, o gasto da área custou a
crescer, mas finalmente se encontrou
um jeito de fazê-lo chegar ao topo.
O resumo dessa ópera é, contudo,
ruim -os gastos correntes vêm crescendo excessivamente desde 1987.
Comparando os gastos não financeiros da União de 2005 com os de
1987 e descontando a inflação acumulada no período, é possível estimar
que o item que denomino benefícios
assistenciais e subsidiados tenha
crescido 1.362%. Os gastos do INSS
acima de um salário mínimo cresceram 342%. A despesa com inativos e
pensionistas da União, 310%. Em seguida é que vem o setor de saúde, com
120% de crescimento. Para fechar o
grupo dos itens que registraram crescimento positivo, tem-se a despesa
com o pessoal ativo, com taxa de crescimento de 85%. Por fim, nos itens
outras despesas correntes e investimento, houve queda, respectivamente, de 54% e 57%. Essas taxas devem
ser comparadas com o crescimento
dos gastos não financeiros totais, de
112%, e o do PIB, de 43%.
Isso mostra que, mesmo a saúde
tendo crescido menos que os demais
gastos da área social numa primeira
fase, o crescimento explosivo dos gastos correntes como um todo passou a
ser o problema macroeconômico número um do país. Com efeito, não só
minguaram os investimentos públicos mas também o governo se viu instado a subir a carga tributária, reduzindo a poupança e o investimento
privado. O resultado final é a queda da
taxa de crescimento potencial da economia e do emprego de mão-de-obra.
Nesses termos, é preciso reduzir a
razão entre o gasto corrente total e o
PIB, o que coloca em dúvida até a manutenção da atual regra estabelecida
para o setor de saúde pela emenda
Serra. Já aumentar a dotação de recursos do setor para além do que ela
permite, nem pensar. Mais do que
nunca, é preciso aumentar a eficiência do gasto. (Nessa linha, aliás, o
atual ministro da Saúde acaba de propor a flexibilização no regime de contratação dos servidores da área).
RAUL VELLOSO, 61, doutor em economia pela Universidade Yale (EUA), é especialista em contas públicas.
Os artigos publicados com assinatura não traduzem a opinião do jornal. Sua publicação obedece ao propósito de estimular o debate dos problemas brasileiros e mundiais e de refletir as diversas tendências do pensamento contemporâneo. debates@uol.com.br
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