São Paulo, sábado, 08 de setembro de 2007

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

TENDÊNCIAS/DEBATES

A área da saúde deve receber mais recursos públicos para resolver a crise?

NÃO

Mais eficiência no gasto

RAUL VELLOSO

A CONSTITUIÇÃO de 1988 mandou as administrações públicas gastarem mais recursos em assistência social, Previdência, saúde e pessoal. Imaginava-se resgatar a "dívida social" acumulada nos anos anteriores.
Quem largou na frente foram os benefícios assistenciais ou fortemente subsidiados, puxados pela criação de novos programas (como Bolsa Família) e pelo aumento do salário mínimo (o benefício mínimo do INSS). Em segundo lugar, vieram os benefícios acima de um salário mínimo pagos pelo INSS. Nesses dois casos, nunca faltaria dinheiro, pois a Constituição mandou também que qualquer déficit no INSS fosse coberto pelo Tesouro.
O item pessoal aparece na lista de prioridades pois foi estabelecido que o regime jurídico do funcionalismo teria de ser único. Este, obviamente, pressionou para que o regime escolhido fosse o estatutário, por ser o que oferece maior volume de benefícios, incluindo estabilidade no emprego e aposentadoria integral. Chocante: só na União, incorporaram-se ao regime estatutário cerca de 400 mil regidos anteriormente pela CLT, muitos dos quais estão hoje na folha de inativos.
Já o gasto do setor de saúde, em que pese a prioridade constitucional, custou a se afirmar no Orçamento, em grande medida por se tratar de despesa menos complicada de ser contida.
Trata-se, basicamente, de pagamentos a hospitais conveniados (SUS), cuja contenção pode gerar ruído nos hospitais, mas nunca o clamor que o atraso de pagamentos de benefícios do INSS, por exemplo, causaria nos bancos que efetuam os pagamentos.
Criou-se a famigerada CPMF, com vinculação original exclusiva à área de saúde -só que, na prática, essa vinculação pôde ser desfeita por vários caminhos (que não vêm aqui ao caso).
Sabendo do drible que pode ser dado na vinculação de receitas, o então ministro da área propôs medida que atuasse "diretamente na veia" em favor do segmento. A chamada emenda Serra estabeleceu a regra de o gasto crescer no mínimo à mesma taxa de crescimento nominal do PIB a partir de 2001. Com isso, a saúde se tornou o único segmento do Orçamento que hoje está protegido por uma regra de crescimento mínimo do gasto.
Ou seja, o gasto da área custou a crescer, mas finalmente se encontrou um jeito de fazê-lo chegar ao topo.
O resumo dessa ópera é, contudo, ruim -os gastos correntes vêm crescendo excessivamente desde 1987.
Comparando os gastos não financeiros da União de 2005 com os de 1987 e descontando a inflação acumulada no período, é possível estimar que o item que denomino benefícios assistenciais e subsidiados tenha crescido 1.362%. Os gastos do INSS acima de um salário mínimo cresceram 342%. A despesa com inativos e pensionistas da União, 310%. Em seguida é que vem o setor de saúde, com 120% de crescimento. Para fechar o grupo dos itens que registraram crescimento positivo, tem-se a despesa com o pessoal ativo, com taxa de crescimento de 85%. Por fim, nos itens outras despesas correntes e investimento, houve queda, respectivamente, de 54% e 57%. Essas taxas devem ser comparadas com o crescimento dos gastos não financeiros totais, de 112%, e o do PIB, de 43%.
Isso mostra que, mesmo a saúde tendo crescido menos que os demais gastos da área social numa primeira fase, o crescimento explosivo dos gastos correntes como um todo passou a ser o problema macroeconômico número um do país. Com efeito, não só minguaram os investimentos públicos mas também o governo se viu instado a subir a carga tributária, reduzindo a poupança e o investimento privado. O resultado final é a queda da taxa de crescimento potencial da economia e do emprego de mão-de-obra.
Nesses termos, é preciso reduzir a razão entre o gasto corrente total e o PIB, o que coloca em dúvida até a manutenção da atual regra estabelecida para o setor de saúde pela emenda Serra. Já aumentar a dotação de recursos do setor para além do que ela permite, nem pensar. Mais do que nunca, é preciso aumentar a eficiência do gasto. (Nessa linha, aliás, o atual ministro da Saúde acaba de propor a flexibilização no regime de contratação dos servidores da área).


RAUL VELLOSO, 61, doutor em economia pela Universidade Yale (EUA), é especialista em contas públicas.

Os artigos publicados com assinatura não traduzem a opinião do jornal. Sua publicação obedece ao propósito de estimular o debate dos problemas brasileiros e mundiais e de refletir as diversas tendências do pensamento contemporâneo. debates@uol.com.br

Texto Anterior: TENDÊNCIAS/DEBATES
Ligia Bahia e Mario Scheffer: Entre a luva e o anel

Próximo Texto: Painel do Leitor
Índice


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.