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FERNANDO DE BARROS E SILVA
Qual é, Mano Huck?
SÃO PAULO - Nunca antes na história deste país um Rolex roubado
provocou tanto barulho. O "Painel
do Leitor" da Folha se transformou
no palco de uma discussão quente
como há muito não se via, na qual, a
despeito das nuances, prevaleceram duas posições antagônicas: 1.
Luciano Huck é a cara da elite brasileira e precisou ser assaltado para
cair na real; 2. o apresentador foi
agredido duas vezes, pelo ladrão e
pelos leitores -e acabou pagando
por ser rico e famoso.
Não vamos brincar de mocinho e
bandido. Nem com os sinais invertidos. É interessante, sem dúvida,
que Ferréz, o escritor do Capão,
dramatize o episódio pela ótica do
assaltante (na página ao lado). Mas
a conclusão de que "todos saíram
ganhando" e, afinal, "num mundo
indefensável, até que o rolo foi justo para ambas as partes" equivale a
fazer a apologia do crime e da barbárie em nome de uma suposta crítica das injustiças sociais. O texto
chocará muita gente de boa-fé e joga água no moinho do preconceito
contra pobres, pretos e motoboys, à
revelia das intenções do autor.
Menos chocante para muitos talvez tenha sido a biografia edificante que Huck fez de si. Primeiro diz
que paga todos os seus impostos
-"uma fortuna". A seguir, mostra-se preocupado com o Brasil: "Passo
o dia pensando em como deixar as
pessoas mais felizes e como tentar
fazer este país mais bacana. TV diverte e a ONG que presido tem um
trabalho sério e eficiente". Por fim,
declara uma opção de vida: "Confesso que já andei de carro blindado, mas aboli. Por filosofia". Um cara tão legal... O mundo não é justo.
Mas podia ser pior. Entrevistado
pela "Veja", Huck frustra a pauta de
sempre da revista. Mostra-se tolerante, defende o ensino público e
ainda minimiza o papel do Estado
penal no combate à criminalidade.
É divertido ver como as respostas
são melhores que as intenções da
entrevista. Mas que traição de classe. Mano Huck resolveu bancar o
progressista otário justamente nas
páginas amarelas. Chama o ladrão!
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