São Paulo, Segunda-feira, 08 de Novembro de 1999
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TENDÊNCIAS/DEBATES

A crise da Justiça de menores


HÉLIO BICUDO

Repete-se, no campo da chamada Justiça de menores, hoje da Infância e da Adolescência, o que vem acontecendo no âmbito do sistema carcerário, que deveria ser de tratamento penal. Enquanto se multiplicam as rebeliões nos superlotados estabelecimentos prisionais -nos quais também se transformaram as delegacias de polícia-, de há algum tempo a esta parte surgiram gravíssimos incidentes na área das instituições destinadas à internação de menores infratores, a começar pelo incêndio de uma unidade, no complexo do Tatuapé, com morte e lesões corporais, vitimando jovens sob a custódia do Estado, culminando na última rebelião na unidade Imigrantes, com novas mortes, ferimentos e fugas.
Tanto num caso como no outro, acena-se com a construção, no que se refere a adultos condenados, de novas casas para detenção provisória e cumprimento de pena; e, relativamente a crianças e adolescentes, de novos institutos, entretanto no mesmo modelo dos atuais.
Ora, já se constatou que, não obstante a construção, em que se empenhou o governo, de novos presídios, até hoje não se deu solução, nem sequer razoável, ao problema da superlotação, que quer dizer promiscuidade, violência e corrupção. Quanto mais presídios, mais presos, mais superlotação, mais violência e mais corrupção. É também o que vai acontecer com o problema da Febem, se a solução encontrada for a de mera construção de unidades.
Daí a conclusão de que a solução, em ambos os casos, não está em novas unidades, quer para delinquentes adultos quer para crianças e jovens que infringiram dispositivos da lei penal. Isso poderá -o que não aconteceu com as novas prisões- desafogar momentaneamente o sistema, mas, se não se adotarem medidas que digam respeito à configuração dos tipos penais e sua punição, mediante a aplicação real das penas sem prisão -as penas alternativas-, teremos agravados a superlotação e os males que dela derivam.

Quanto mais presídios, mais presos, mais superlotação, mais violência
E o mesmo vale para as crianças e os adolescentes sujeitos a tratamento desumano nas unidades da Febem, com violação flagrante da Convenção Americana de Direitos Humanos, a qual foi firmada e ratificada pelo Brasil, tornada norma interna, nos termos do artigo 5º, parágrafo 2º, da Constituição.
Quando a internação é, segundo o Estatuto da Criança e do Adolescente, o último recurso de que se deve lançar mão, transforma-se, nas mãos da chamada Justiça de menores, no instrumento maior para conter a violência infanto-juvenil.
É preciso aplicar o Estatuto da Criança e do Adolescente e com isso reservar a internação para as hipóteses que a determinem, depois de percorrer, desde que sem êxito, os caminhos da reeducação em liberdade.
O governador Mário Covas disse, não sem alguma razão, que a responsabilidade pelos lamentáveis fatos cabe também à sociedade civil, pois é contristadora a constatação de que os órgãos participativos contemplados no Estatuto não foram constituídos, não funcionaram. Não seria aqui uma tarefa para o governo estimular a constituição desses órgãos auxiliares, ajudando na sua organização, para isso dispondo da infra-estrutura da própria Febem, que poderia, assim, reencontrar os caminhos de sua vocação?
Por último, por que não integrar no mesmo esquema a implementação dos projetos de bolsa-escola e de renda mínima? O que se faça nesse sentido poderá trazer uma nova visão para a prática de uma nova política em áreas que o neoliberalismo estigmatizou e que esqueceu no vórtice da globalização.


Hélio Bicudo, 77, jornalista e advogado, é presidente do Centro Santo Dias de Direitos Humanos e membro da Comissão Interamericana de Direitos Humanos.




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