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TENDÊNCIAS/DEBATES
A crise da Justiça de menores
HÉLIO BICUDO
Repete-se, no campo da chamada
Justiça de menores, hoje da Infância e
da Adolescência, o que vem acontecendo no âmbito do sistema carcerário, que deveria ser de tratamento penal. Enquanto se multiplicam as rebeliões nos superlotados estabelecimentos prisionais -nos quais também se
transformaram as delegacias de polícia-, de há algum tempo a esta parte
surgiram gravíssimos incidentes na
área das instituições destinadas à internação de menores infratores, a começar pelo incêndio de uma unidade, no
complexo do Tatuapé, com morte e lesões corporais, vitimando jovens sob a
custódia do Estado, culminando na última rebelião na unidade Imigrantes,
com novas mortes, ferimentos e fugas.
Tanto num caso como no outro, acena-se com a construção, no que se refere a adultos condenados, de novas casas para detenção provisória e cumprimento de pena; e, relativamente a
crianças e adolescentes, de novos institutos, entretanto no mesmo modelo
dos atuais.
Ora, já se constatou que, não obstante a construção, em que se empenhou
o governo, de novos presídios, até hoje
não se deu solução, nem sequer razoável, ao problema da superlotação, que
quer dizer promiscuidade, violência e
corrupção. Quanto mais presídios,
mais presos, mais superlotação, mais
violência e mais corrupção. É também
o que vai acontecer com o problema da
Febem, se a solução encontrada for a
de mera construção de unidades.
Daí a conclusão de que a solução, em
ambos os casos, não está em novas
unidades, quer para delinquentes
adultos quer para crianças e jovens que
infringiram dispositivos da lei penal.
Isso poderá -o que não aconteceu
com as novas prisões- desafogar momentaneamente o sistema, mas, se não
se adotarem medidas que digam respeito à configuração dos tipos penais e
sua punição, mediante a aplicação real
das penas sem prisão -as penas alternativas-, teremos agravados a superlotação e os males que dela derivam.
Quanto mais presídios, mais presos, mais superlotação,
mais violência
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E o mesmo vale para as crianças e os
adolescentes sujeitos a tratamento desumano nas unidades da Febem, com
violação flagrante da
Convenção Americana de Direitos Humanos, a qual foi firmada e ratificada pelo
Brasil, tornada norma interna, nos termos do artigo 5º, parágrafo 2º, da Constituição.
Quando a internação é, segundo o Estatuto da Criança e do Adolescente, o último recurso de que se deve lançar
mão, transforma-se, nas mãos da chamada Justiça de menores, no instrumento maior para conter a violência
infanto-juvenil.
É preciso aplicar o Estatuto da Criança e do Adolescente e com isso reservar
a internação para as hipóteses que a
determinem, depois de percorrer, desde que sem êxito, os caminhos da reeducação em liberdade.
O governador Mário Covas disse,
não sem alguma razão, que a responsabilidade pelos lamentáveis fatos cabe
também à sociedade civil, pois é contristadora a constatação de que os órgãos participativos contemplados no
Estatuto não foram constituídos, não
funcionaram. Não seria aqui uma tarefa para o governo estimular a constituição desses órgãos auxiliares, ajudando na sua organização, para isso
dispondo da infra-estrutura da própria
Febem, que poderia, assim, reencontrar os caminhos de sua vocação?
Por último, por que não integrar no
mesmo esquema a implementação dos
projetos de bolsa-escola e de renda mínima? O que se faça
nesse sentido poderá
trazer uma nova visão
para a prática de uma
nova política em áreas
que o neoliberalismo
estigmatizou e que esqueceu no vórtice da
globalização.
Hélio Bicudo, 77, jornalista e
advogado, é presidente do Centro Santo Dias de Direitos Humanos e membro da Comissão Interamericana de Direitos Humanos.
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