São Paulo, sábado, 08 de dezembro de 2001

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TENDÊNCIAS/DEBATES

O IPTU deve ser progressivo?

NÃO

Isenção pode gerar injustiça

DAVID TORRES

Há um sentimento generalizado de que a carga tributária no Brasil está muito elevada. O próprio secretário da Receita Federal admitiu, recentemente, que talvez o nível atual da tributação brasileira seja incompatível com a estrutura econômica do país. Se isso é verdadeiro com referência à carga tributária geral, para alguns segmentos de contribuintes é ainda pior, levando-se em conta que o peso dos impostos não é distribuído nem com uniformidade e muito menos com justiça. Se a carga tributária do Brasil em 2001 foi de aproximadamente 32% do PIB, há contribuintes que consumiram mais de 60% de seus ganhos com impostos (consideradas as tributações direta e indireta).
Com esse panorama, o grande desafio para as administrações tributárias é combater a sonegação fiscal, trazendo para o universo de contribuintes uma quantidade maior de pessoas e empresas. Quando todos pagam, todos pagam menos. Mas essa não parece ser a preocupação dos nossos governantes, sobretudo se considerarmos algumas propostas recentes. O governo federal, por exemplo, só aceita corrigir a tabela do Imposto de Renda para uma parcela de contribuintes, se outra parcela dos atuais contribuintes for ainda mais onerada. Parece covardia. Ninguém apresenta uma proposta eficiente de incremento à arrecadação através da caça aos sonegadores. Essa proposta não representa nenhum esforço ou planejamento e é mera conta de chegada.
Guardadas as devidas proporções e especificidades, os mesmos vícios aparecem na proposta do IPTU progressivo para a capital paulista. Em recente entrevista, o próprio secretário João Sayad admitiu que em São Paulo existem dezenas de milhares de residências clandestinas, muitas das quais estão invadindo as áreas de mananciais (e não pagam impostos). O secretário reconheceu que a administração tributária tem de ser modernizada urgentemente e espera receber R$ 100 milhões para isso.
Enquanto tal não ocorre, em vez de cobrar o ISS sonegado ou atualizar o cadastro imobiliário, a prefeitura propõe isenção de IPTU para 1,6 milhão de contribuintes, pretendendo tirar dos 900 mil contribuintes restantes tudo o que será perdido com a concessão da isenção. E, pasmem, pretende aumentar a arrecadação em R$ 500 milhões. Só para recordar, o ex-prefeito Paulo Maluf foi muito criticado por isentar, a partir de 1992, cerca de 500 mil imóveis.
A progressividade na cobrança é bastante controvertida. É princípio consagrado na justiça tributária que quem pode mais deve contribuir mais, quem pode menos deve contribuir menos e quem não pode deve ser dispensado. Esse princípio, inclusive, está consagrado na Constituição (art. 145, parágrafo 1º), que diz: "Sempre que possível, os impostos terão caráter pessoal e serão graduados segundo a capacidade econômica do contribuinte".
Ocorre que a propriedade considerada isoladamente não pode aferir a capacidade contributiva do seu proprietário. Esta só pode ser observada quando se conhece a riqueza e a renda do contribuinte. Se prevalecer a proposta encaminhada pela prefeita, quem possui um único imóvel residencial de R$ 70 mil pagará IPTU, enquanto outro contribuinte que tenha quatro imóveis de R$ 60 mil não pagará nada. Se um contribuinte mora sozinho no seu imóvel residencial avaliado em R$ 80 mil e ganha mais do que outro que mora com mulher e filhos em um imóvel de R$ 100 mil, é claro que o primeiro pode contribuir mais do que o segundo. Poderíamos elencar uma série de hipóteses para mostrar as injustiças causadas pela aplicação da progressividade proposta, mas o importante é esclarecer que não é só pela propriedade imóvel que se mede a capacidade de pagar impostos.
Por outro lado, se não for considerada a propriedade, mas a condição econômica e pessoal do proprietário, aí sim é possível fazer uma cobrança mais justa. Nesse sentido, a concessão de isenção de IPTU para aposentados, deficientes físicos ou para desempregados que possuam um único imóvel residencial nos parece medida adequada. O instituto da isenção deve ser usado com muita responsabilidade e restrito aos casos estritamente necessários.
Quem é proprietário de imóvel em São Paulo pode contribuir com alguma quantia a título de IPTU, sobretudo se considerarmos que milhões de pessoas aqui não possuem sua casa própria. Elas devem dar uma contrapartida, ainda que pequena, pelos serviços que recebem da administração, como pavimentação, eletricidade, serviço de coleta de lixo, educação ou atendimento médico em postos de saúde.
Aumentar o IPTU das empresas nos parece ineficaz no sentido de se promover a justiça tributária, pois, como regra, as empresas repassam para os seus preços esse aumento de custos. Se a carga tributária for demasiado elevada, a empresa acaba mudando de município, o que pode resultar em mais desemprego.
A arrecadação e o gasto do dinheiro público devem ser tratados com muita seriedade e não devem ser tratados com demagogia ou servir a fins eleitoreiros.


David Torres, 43, é bacharel em direito e presidente do Sinafresp (Sindicato dos Agentes Fiscais de Rendas do Estado de São Paulo).


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SIM
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