|
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
TENDÊNCIAS/DEBATES
O IPTU deve ser progressivo?
NÃO
Isenção pode gerar injustiça
DAVID TORRES
Há um sentimento generalizado de
que a carga tributária no Brasil está muito elevada. O próprio secretário
da Receita Federal admitiu, recentemente, que talvez o nível atual da tributação brasileira seja incompatível com a
estrutura econômica do país. Se isso é
verdadeiro com referência à carga tributária geral, para alguns segmentos de
contribuintes é ainda pior, levando-se
em conta que o peso dos impostos não é
distribuído nem com uniformidade e
muito menos com justiça. Se a carga tributária do Brasil em 2001 foi de aproximadamente 32% do PIB, há contribuintes que consumiram mais de 60% de
seus ganhos com impostos (consideradas as tributações direta e indireta).
Com esse panorama, o grande desafio
para as administrações tributárias é
combater a sonegação fiscal, trazendo
para o universo de contribuintes uma
quantidade maior de pessoas e empresas. Quando todos pagam, todos pagam
menos. Mas essa não parece ser a preocupação dos nossos governantes, sobretudo se considerarmos algumas propostas recentes. O governo federal, por
exemplo, só aceita corrigir a tabela do
Imposto de Renda para uma parcela de
contribuintes, se outra parcela dos
atuais contribuintes for ainda mais onerada. Parece covardia. Ninguém apresenta uma proposta eficiente de incremento à arrecadação através da caça aos
sonegadores. Essa proposta não representa nenhum esforço ou planejamento
e é mera conta de chegada.
Guardadas as devidas proporções e
especificidades, os mesmos vícios aparecem na proposta do IPTU progressivo
para a capital paulista. Em recente entrevista, o próprio secretário João Sayad
admitiu que em São Paulo existem dezenas de milhares de residências clandestinas, muitas das quais estão invadindo as áreas de mananciais (e não pagam impostos). O secretário reconheceu que a administração tributária tem
de ser modernizada urgentemente e espera receber R$ 100 milhões para isso.
Enquanto tal não ocorre, em vez de
cobrar o ISS sonegado ou atualizar o cadastro imobiliário, a prefeitura propõe
isenção de IPTU para 1,6 milhão de contribuintes, pretendendo tirar dos 900
mil contribuintes restantes tudo o que
será perdido com a concessão da isenção. E, pasmem, pretende aumentar a
arrecadação em R$ 500 milhões. Só para
recordar, o ex-prefeito Paulo Maluf foi
muito criticado por isentar, a partir de
1992, cerca de 500 mil imóveis.
A progressividade na cobrança é bastante controvertida. É princípio consagrado na justiça tributária que quem
pode mais deve contribuir mais, quem
pode menos deve contribuir menos e
quem não pode deve ser dispensado.
Esse princípio, inclusive, está consagrado na Constituição (art. 145, parágrafo
1º), que diz: "Sempre que possível, os
impostos terão caráter pessoal e serão
graduados segundo a capacidade econômica do contribuinte".
Ocorre que a propriedade considerada isoladamente não pode aferir a capacidade contributiva do seu proprietário.
Esta só pode ser observada quando se
conhece a riqueza e a renda do contribuinte. Se prevalecer a proposta encaminhada pela prefeita, quem possui um
único imóvel residencial de R$ 70 mil
pagará IPTU, enquanto outro contribuinte que tenha quatro imóveis de R$
60 mil não pagará nada. Se um contribuinte mora sozinho no seu imóvel residencial avaliado em R$ 80 mil e ganha
mais do que outro que mora com mulher e filhos em um imóvel de R$ 100
mil, é claro que o primeiro pode contribuir mais do que o segundo. Poderíamos elencar uma série de hipóteses para
mostrar as injustiças causadas pela aplicação da progressividade proposta, mas
o importante é esclarecer que não é só
pela propriedade imóvel que se mede a
capacidade de pagar impostos.
Por outro lado, se não for considerada
a propriedade, mas a condição econômica e pessoal do proprietário, aí sim é
possível fazer uma cobrança mais justa.
Nesse sentido, a concessão de isenção
de IPTU para aposentados, deficientes
físicos ou para desempregados que possuam um único imóvel residencial nos
parece medida adequada. O instituto da
isenção deve ser usado com muita responsabilidade e restrito aos casos estritamente necessários.
Quem é proprietário de imóvel em
São Paulo pode contribuir com alguma
quantia a título de IPTU, sobretudo se
considerarmos que milhões de pessoas
aqui não possuem sua casa própria. Elas
devem dar uma contrapartida, ainda
que pequena, pelos serviços que recebem da administração, como pavimentação, eletricidade, serviço de coleta de
lixo, educação ou atendimento médico
em postos de saúde.
Aumentar o IPTU das empresas nos
parece ineficaz no sentido de se promover a justiça tributária, pois, como regra,
as empresas repassam para os seus preços esse aumento de custos. Se a carga
tributária for demasiado elevada, a empresa acaba mudando de município, o
que pode resultar em mais desemprego.
A arrecadação e o gasto do dinheiro
público devem ser tratados com muita
seriedade e não devem ser tratados com
demagogia ou servir a fins eleitoreiros.
David Torres, 43, é bacharel em direito e presidente do Sinafresp (Sindicato dos Agentes Fiscais de Rendas do Estado de São Paulo).
Texto Anterior: TENDÊNCIAS/DEBATES O IPTU deve ser progressivo?
SIM Fernando Haddad: IPTU - simples e justo Próximo Texto: Painel do Leitor Índice
|