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São Paulo, segunda-feira, 08 de dezembro de 2003

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TENDÊNCIAS/DEBATES

A maioridade penal

PAULO JOSÉ DA COSTA JR.

Qual a razão de punir? A pena, em sua essência, é retributiva. "Punitur quia peccatum" (pune-se porque pecou). Entretanto a retribuição não deverá superar o mal causado. Olho por olho, dente por dente, o que representa um progresso em matéria de retribuir, já que, nos tempos primitivos, o castigo superava o mal causado.
A pena emendativa seria o ideal. Objetiva recuperar o delinquente, mercê da laborterapia ou da ludoterapia. A ludoterapia tem se mostrado eficiente em inúmeras instituições. Podemos citar, como exemplo, quatro centros de recuperação, no Rio de Janeiro, onde o interno joga futebol, pingue-pongue, dama, dominó etc. das 10h às 2h. A laborterapia é indispensável, pois, como lembra o velho ditado, a mente desocupada é a oficina do demônio.
Recordo-me de um centro de recuperação que visitei na Inglaterra, em Oxford, onde havia dois cestos enormes para os detentos que não tinham habilidade manual. Num deles, porcas e parafusos que os prisioneiros deveriam desencaixar uns dos outros e enroscá-los a seguir, colocando-os no outro cesto. Findo o trabalho, este era reiniciado. Há quem sustente que, na Idade Média, a violência era menor, porque os cavaleiros medievais descarregavam grande parte da sua agressividade nos torneios. Assim, o futebol, o boxe e outros esportes violentos seriam recomendáveis nas prisões para canalizar adequadamente a descarga da violência.
Entretanto a função emendativa é de execução extremamente difícil. As penitenciárias, não raro, funcionam como academias do crime, deteriorando e corrompendo os reclusos. Recordo-me de um conhecido que encontrei na antiga casa de detenção da av. Tiradentes. Lá estava por ter-se recusado a pagar pensão alimentícia à mulher, que considerava uma desavergonhada. Deixou a prisão como estelionatário.
Outra função da pena é intimidativa: "Punitur ut ne peccatur" (pune-se para que não se peque). A pena funcionaria como um espantalho, afugentando aqueles que estivessem propensos a praticar o crime.
Como intimidar, porém, os menores, se a pena não os atinge?


O direito civil vem de reduzir a maioridade em três anos. De 21 para 18 anos. E o direito penal? Por que não faz o mesmo?
O código de 1940 estabeleceu que só aos 18 anos o menor tem a capacidade de entender o caráter criminoso do fato e de se autodeterminar de acordo com ele. É possível que assim o fosse, em 1940. Mas, nos tempos atuais, com a revolução dos costumes e valores e o assombroso progresso tecnológico, a realidade é bem outra.
Em matéria de direito comparado, se nos voltarmos para a Europa, veremos que todos os países -Alemanha, Itália, Portugal, Espanha etc.- estabelecem a maioridade penal aos 14 anos. A França, recentemente, reduziu-a para 13 anos, o que nos parece um certo exagero. A China e a Rússia estabelecem a maioridade penal aos 16 anos, que é reduzida para 14 anos nos crimes graves.
E a América do Sul? Todos os países fixam a maioridade penal aos 16 anos, com exceção do Brasil e do Uruguai, que teimam em estabelecê-la aos 18.
No direito eleitoral pátrio, permitiu-se que o menor de 16 anos escolhesse o magistrado supremo da nação, ou o governador do seu Estado. Não está, porém, excluído que o menor de 16 anos pratique um crime eleitoral. E se o fizer? Não será punido, porque é menor. Logo, nem todos são iguais perante a lei. O direito civil vem de reduzir a maioridade em três anos. De 21 para 18 anos. E o direito penal? Por que não faz o mesmo?
Uma das principais causas do recrudescimento da criminalidade violenta envolvendo menores, na faixa etária dos 16 aos 18 anos, é a relativa impunidade, uma vez que o ECA prevê penas brandas, que não superam os três anos, por mais graves que sejam os crimes perpetrados. De mais a mais, há que mencionar o fracasso da Febem, que não educa. Ao contrário do que se propõe, evidentemente, deseduca.
Consideramos urgente a redução da maioridade penal para 16 anos. A execução da pena deve ocorrer em estabelecimentos penais especializados, que acolheriam menores de 16 a 20 (ou 18?) anos. A sanção deve ter um caráter eminentemente pedagógico, mercê do emprego da laborterapia e da ludoterapia em larga escala. É o nosso convencimento, que sustentamos desde 1969, quando chegamos a convencer o grande Nelson Hungria a estabelecer a maioridade penal aos 16 anos, no código de 69, sempre que o magistrado se convencesse, mediante laudos técnicos, de que o menor teria a capacidade de entender o caráter criminoso do fato.
Atualmente, com a precocidade em que se processa o desenvolvimento intelectivo do jovem, mergulhado no oceano de informações que caracteriza a era digital, sustentar que o menor de 16 ou 17 anos não sabe ou presumir que é incapaz de orientar-se em face do impulso para o cometimento de um estupro ou latrocínio é um absurdo, insustentável e revoltante. Não se trata de uma decisão tomada num momento de comoção, mas de uma convicção que deflui da lógica e da análise desapaixonada da violenta realidade social.


Paulo José da Costa Júnior é professor titular de direito penal da USP e livre-docente da Universidade de Roma. Autor de, entre outras obras, "Comentários ao Código Penal" (Saraiva) e "Direito Penal Objetivo" (Forense Universitária).

E-mail: prof@pjcosta.com


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