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FERNANDO DE BARROS E SILVA
Cultura & Política?
SÃO PAULO - "Se vocês, em política, forem como são em estética, estamos feitos". Era mais fácil -e urgente- relacionar política e cultura
nessa época, quando o gênio de
Caetano Veloso reagia, nos festivais, às hostilidades da esquerda
nacionalista, ao mesmo tempo em
que todos, tropicalistas e antitropicalistas, confrontavam a ditadura
de direita instalada no país em 64.
Vinte anos depois, na esteira da
redemocratização, a vontade de
passar o país a limpo parecia ainda
forte o bastante para amalgamar as
pessoas em torno de um sentimento progressista da vida. Mas os anos
80 foram sobretudo marcados pela
primeira onda globalizante, que enfatizava a dimensão sem fronteiras
da cultura e mandava varrer para o
lixo da história a velharia nacional-popular do período anterior.
Escrevendo à quente em meados
daquela década, o crítico Roberto
Schwarz dizia que os globalistas locais eram modernos, mas no fundo
conformistas -que aderiam à maré
ideológica triunfante acreditando
fazer parte das vanguardas estéticas e libertárias do início do século
20: "Alinham-se com o poder como
quem faz uma revolução", disse,
imagino que em parte inspirado pela experiência da Ilustrada.
Mas o que pensar das relações
entre política e cultura hoje? A política, cada vez mais, se resume a
uma espécie de administrativismo
social, ocupada com a gestão emergencial de populações mais ou menos estropiadas. E a cultura, a despeito das muitas coisas interessantes que se faça por aí, quando não se
limita a um nicho entre outros, vai
se tornando um ramo do mecenato
corporativo. Os bancos descobriram o glamour de cuidar das coisas
do espírito -o que alguém já chamou de culturalização do dinheiro.
Caetano, Ferreira Gullar, Cacá
Diegues e Maria Rita Kehl estarão à
noite no Masp para debater este nó,
que às vezes parece mais um conjunto vazio. Se é difícil evitar a sensação de que cultura e política formam um par à moda antiga, mais
incômodo é constatar que a cara da
nossa época é a da direita festiva.
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