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FERNANDO DE BARROS E SILVA
O teatro exemplar de Arruda
SÃO PAULO - A deputada enche a
bolsa tamanho GG, que mais lembra uma sacola de feira; o dono do
jornaleco enfia maços de dinheiro
na cueca, ajeitando-os como dá entre a pança e a calça apertada; o presidente da Câmara Distrital recheia, um a um, os bolsos do paletó
e, sem mais cavidades disponíveis,
esconde o que resta da propina nas
meias sociais. Refestelado no sofá, o
governador dá instruções ao assessor enquanto se apropria, displicente, do volumoso bolo de notas.
São, antes de mais nada, cenas
grotescas, plasticamente abjetas.
Lembram até aquelas peças rudimentares de Juca de Oliveira, com
seus efeitos de catarse barata.
Numa época em que a grande
corrupção se tornou invisível e sua
engenharia, mesmo quando desvendada, é de difícil tradução, o escândalo que consome o governo José Roberto Arruda nos devolve ao
palco mambembe da falcatrua inequívoca, descarada e vulgar.
Há, neste caso de pistolagem política, traços típicos das regiões de
fronteira, de ocupação recente, em
que as instituições parecem estar
ali apenas como cenário de um filme western. O faroeste caboclo de
Arruda não deixa de evocar, por
exemplo, a Rondônia de Ivo Cassol.
Mas Brasília é também a capital
da impunidade, a cidade que propicia aos governantes a sensação de
viver não numa terra sem lei, mas
acima dela. Isso, é óbvio, tem relação com seu isolamento geográfico,
com a redoma que preserva o poder
do contato e da pressão popular.
Tipo à primeira vista anódino e
apagado, Arruda foi, na sua origem,
afilhado político de Joaquim Roriz,
o coronel do cerrado. Soube fazer a
ponte entre a velha política da
clientela, voltada às cidades-satélite, e a geração dos predadores pós-modernos do Plano Piloto, a exemplo do seu vice, Paulo Octávio, ou do
ex-senador Luiz Estevão. Nos anos
FHC, o governador tentou envernizar a biografia ingressando no
PSDB. Não deu muito certo. Nem
coronel, nem yuppie, nem tucano,
Arruda, o Democrata, tem um pouco disso tudo na sua biografia torta.
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