São Paulo, quinta-feira, 09 de janeiro de 2003

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ELIANE CANTANHÊDE

Um pé cá, outro lá

BRASÍLIA - "O que te faz avançar é que ora você anda com o pé direito, ora com o pé esquerdo. Os movimentos se completam."
A metáfora do ministro da Defesa, embaixador José Viegas, ilustra bem o início de governo. E ele entende bem disso. Serviu em Havana nos anos 80 e veio direto da Embaixada de Moscou para o atual cargo.
Exemplo perfeito do que ele disse é a decisão de Lula de ir, no fim deste mês, tanto ao Fórum Econômico de Davos quanto ao Fórum Social de Porto Alegre. Os "xiitas" consideram heresia de um presidente de esquerda. Os "xaatos", no linguajar de alguns, diriam que é acender uma vela para Deus e outra para o diabo.
Davos é a reunião dos poderosos do mundo todo, gente engravatada, liberal. Digamos que é a reunião da globalização e do superávit fiscal. Porto Alegre é a reação de esquerda a tudo isso, com barbudos, minorias, acadêmicos -e petistas, claro.
Quem vai a Davos não vai a Porto Alegre, e quem vai a Porto Alegre não vai a Davos. Quer dizer: não ia, porque agora vai. A estréia foi há pouco, no Rio, quando Aloizio Mercadante e Marta Suplicy foram as estrelas da Cúpula de Negócios da América Latina, vinculada a Davos.
Apesar das críticas, que já chovem de todos os lados, Lula não tem alternativa senão ir aos dois. Por quê? Porque essa é a essência do seu governo. Ao mesmo tempo em que faz um discurso conservador e cuidadoso a la Davos na economia, botou todos os ministros para falar da prioridade social. Consegue, assim, conquistar a confiança do mercado (e baixar o dólar, por exemplo) e manter a expectativa do PT e da esquerda.
O equilíbrio entre tudo isso é fundamental para avançar, mas não é simples. Esquerda e direita, Davos e Porto Alegre, Henrique Meirelles e Marina Silva. Como nos ensina o embaixador Viegas, do alto de 60 anos de idade e uma história de esquerda, o importante é manter o movimento entre os dois pés. Qualquer descuido, um tropeço. Quando o tropeço é forte, o tombo é certo.


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