São Paulo, quinta-feira, 09 de janeiro de 2003

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GABRIELA WOLTHERS

Famintos a menos

RIO DE JANEIRO - O governo de Luiz Inácio Lula da Silva passa por uma interessante adaptação do discurso de campanha para a realidade do poder. Talvez por isso tantos ministros estejam tendo que explicar declarações dadas na véspera.
Dentro dessa linha de acomodação, passou praticamente despercebido um detalhe bastante relevante do discurso de posse do ministro da Fazenda, Antonio Palocci. Num espaço de tempo recorde simplesmente desapareceram 18,5 milhões de pessoas que, segundo o PT da campanha eleitoral, não conseguem suprir suas necessidades básicas de alimentação.
Do início ao final da disputa à Presidência, Lula e sua equipe afirmaram dezenas de vezes que existem 44 milhões de pessoas que passam fome no Brasil. Seriam esses 44 milhões -26% do total da população- o foco do programa Fome Zero, pessoas cuja renda não consegue assegurar uma alimentação básica adequada.
Esse número não saiu do nada. É defendido pelo Ibase (Instituto Brasileiro de Análises Sociais e Econômicas), ONG criada por Betinho, e contabiliza brasileiros com renda diária inferior a US$ 1 para se alimentarem. Sempre foi o dado usado pelo PT.
Pois em seu discurso, Palocci afirmou mais de uma vez que o Brasil tem "15% da população vivendo com uma renda que nem mesmo supre suas necessidades alimentares básicas". Ou seja, segundo o ministro responsável por liberar os recursos para os programas sociais, são 25,5 milhões os brasileiros que passam fome. Ainda é muito, mas bem menos do que os 44 milhões.
Esse percentual também não foi inventado. Palocci usou dados oficiais do Ipea (Instituto de Pesquisa Econômica e Aplicada), órgão ligado ao Ministério do Planejamento. Esse sempre foi o número defendido pelo governo FHC. A diferença entre os milhões do Ibase e os milhões do Ipea rendeu muitas farpas entre o PT e o antigo governo. Pelo visto, a meteórica acomodação de Palocci ao receituário tucano não se deu apenas na área econômica.


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