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Consenso do clima, uma outra perspectiva
CARLOS WALTER PORTO-GONÇALVES
Invocar o biocombustível por causa do efeito estufa não pode ocultar os danos ecológicos e sociais que as monoculturas têm causado
FORAM 40 anos de longa e desigual luta de ambientalistas e
cientistas para afirmar o papel
do homem como agente do aquecimento global. Nos EUA, pesquisas financiadas pelo complexo científico-industrial-militar recomendaram
que não se usasse tal expressão.
Agora tudo indica que estamos no
limiar de mudança da matriz energética baseada nos fósseis -não necessariamente pelas razões apontadas
pela ONU. Com as recentes derrotas
políticas decorrentes das intervenções militares dos EUA, fica em xeque
o esforço geopolítico de controlar o
Oriente Médio e a Ásia Central.
Em todo país onde há exploração de
petróleo e gás, tem havido contestação à ação das grandes empresas do
setor. E as mais recentes projeções
sobre as reservas disponíveis de petróleo apontam para a escassez.
Assim, surgem duas alternativas.
Uma é o uso da energia nuclear, única
das alternativas tecnológicas também
dominada por setores do atual complexo científico-industrial-militar.
A outra é o biocombustível, que não
é novidade para os brasileiros. O secular latifúndio monocultor de cana-de-açúcar soube se mover, nos anos 1970,
para transformar a sua crise específica numa questão nacional de alternativa energética, que deu na criação do
Pró-Álcool. O Brasil mostrou a sua
criatividade científica e tecnológica,
remodernizando o velho latifúndio.
A "modernidade" procura esquecer
a sua colonialidade constitutiva, ignorando o caráter contraditório que
atravessa a própria tecnologia que
sempre é parte das relações sociais e
de poder. A modernidade do engenho,
do Pró-Álcool e das novas tecnologias
de produção de biocombustíveis não
existe num vazio na sociedade.
No Brasil, o preço da terra mais baixo que nos EUA atrai inclusive fazendeiros de lá, que adquirem amplas extensões de terras nos cerrados do
Nordeste e Centro-Oeste. Para a Casa
Branca, é estratégica uma aproximação com o Brasil por meio do biocombustível. Não só nossas condições naturais tropicais são excelentes mas
também o nosso know-how.
A julgar pela expansão dos modernos latifúndios monocultores, o modelo é inaceitável de um ponto de vista socioambiental. Invocar o biocombustível por causa do efeito estufa não
nos deve fazer esquecer os enormes
danos ecológicos e sociais que as
grandes monoculturas têm causado.
No Brasil, entre 1992 e 2002, quando o agronegócio e os latifúndios monocultores se tornaram a menina dos
olhos do modelo neoliberal, se perderam 2 milhões de empregos só na
agricultura. Além disso, a sua expansão tem sido acompanhada pelo aumento do desmatamento e da violência. O desperdício de água é grande, já
que cerca de 70% da água da irrigação
se perde por evaporação.
Nos cerrados, o desequilíbrio hidrológico entre as chapadas e as veredas vem se acentuando com o uso dos
pivôs centrais. A poluição hídrica se
generaliza devido ao uso de agroquímicos tóxicos. As cheias e as vazantes
se acentuam, pois, com a perda de solos por erosão, aumenta o assoreamento e a carga de material sólido nos
rios. É grande também a perda de diversidade biológica dos cerrados. O
complexo que une grilagem, madeireiras, pastagem e agronegócio avança e põe em risco a Amazônia.
Ignora-se toda a riqueza da cultura
das populações originárias e camponesas que habitam essas regiões. Estudos que comparam a energia gasta
na produção e transporte do biocombustível com a energia obtida no final
apontam que há um balanço negativo.
Encontrar uma alternativa ao modelo fossilista em crise não parece difícil. Esperamos não precisarmos de
mais 40 anos para percebermos que o
efeito estufa tem sua causa num modelo de desenvolvimento injusto e depredador. Atacar apenas o lado tecnológico não resolve o problema. Mas
talvez não tenhamos outros 40 anos...
CARLOS WALTER PORTO-GONÇALVES, 57, doutor em
geografia pela UFRJ (Universidade Federal do Rio de Janeiro) é professor da pós-graduação da UFF (Universidade
Federal Fluminense). É autor de "Globalização da Natureza e a Natureza da Globalização".
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