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FERNANDO DE BARROS E SILVA
Tremor e temor no Chile
SÃO PAULO - Vitimado por uma
das piores catástrofes de sua história, o Chile se viu nos últimos dias
diante de turbulências sociais graves e inesperadas. O terremoto desencadeou saques em massa ao comércio, assaltos a residências, incêndios premeditados. "Todos roubaram de todos, não foi uma questão de classe social, todos protagonizaram o vandalismo", disse, num
desabafo, a prefeita de Concepción,
onde a devastação foi brutal.
Ontem, Michelle Bachelet estimava em cerca de US$ 2 milhões o
valor dos produtos recuperados dos
saqueadores. A presidente chilena
se deixou filmar num ginásio tomado por TVs e máquinas de lavar,
descarregadas ali por 35 caminhões
cheios de mercadorias que a população devolveu "espontaneamente", depois da ameaça policial.
Com armas e paus, famílias ricas
de Concepción improvisam barricadas e fazem vigília em condomínios para enfrentar eventuais intrusos. Na área rural, pessoas andam com espingardas na mão.
São cenas e relatos muito chocantes. Sobre eles, intelectuais e
jornalistas chilenos têm feito reflexões bastante desiludidas, muitas
das quais com boa dose de autoflagelo. A "coesão social" do país se revelou bem menos sólida do que se
imaginava e a autoestima dos chilenos está profundamente abalada.
Ao mesmo tempo, Bachelet, criticada por não ter mobilizado o Exército desde o primeiro momento, relacionou os saques a "uma deterioração moral profunda", procurando
separar anomia de carência social.
É difícil tirar conclusões no curso
de um momento tão traumático e
tumultuado, mas o apelo por ordem
e autoridade cresceu no Chile.
O conservador Sebastián Piñera,
eleito presidente após 20 anos da
Concertação no poder, toma posse
depois de amanhã. O país que vai
assumir é diferente daquele que o
elegeu. Tem suas perspectivas rebaixadas, mas, ao mesmo tempo, as
demandas exacerbadas. Vejamos
como a direita democrática vai lidar
com a ferida social que herdou.
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