São Paulo, domingo, 09 de abril de 2000


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O PAPEL DO E-LIVRO

"Timeo hominem unius libri". "Temo o homem de um só livro", afirmou santo Tomás de Aquino. Um livro só, porém, poderá ser o futuro do mercado editorial com o e-livro, o livro eletrônico, como mostra o caderno Mais! de hoje.
Na verdade, o e-livro não é bem um livro. É um pequeno computador concebido ergonomicamente para a leitura no qual se descarregam os arquivos das obras que se deseja ler. A capacidade de armazenamento varia, indo de 4.000 a 500 mil páginas. Alguns dos sistemas, para proteger direitos autorais, utilizam um formato que só pode ser lido no aparelho de e-livro e não permite a impressão ou cópias. É claro que não é preciso ser adivinho para imaginar que logo surgirão softwares desenhados especificamente para possibilitar a estampagem e as reproduções.
Como com tudo o que surge, a questão do e-livro vem sendo mal colocada. Parece tratar-se de uma batalha entre o novo e o velho, em que apenas um deles sobreviverá. Não é bem assim. Há vantagens e desvantagens nas duas tecnologias e talvez não seja temerário afirmar que o livro como o conhecemos ainda durará bastante.
Por uma razão ainda obscura, as pessoas gostam de seus livros. Para além do conteúdo, importam a edição, o cheiro das páginas, a possibilidade de colecionar as obras em bibliotecas; existe, enfim, uma relação com o objeto físico. Muitos, principalmente as gerações mais velhas, também consideram pouco confortável ler na tela do computador.
De toda forma, o e-livro, ao menos em algumas de suas concepções, já é uma realidade. Obras de referência principalmente encontram grande demanda em formatos eletrônicos. Por mais tentador que seja possuir uma "Encyclopaedia Britannica" encadernada em couro, é mais prático e barato substituir os 32 volumes da edição impressa por um único CD.
Apesar de alguns riscos -como acabar a bateria nas páginas finais daquele romance policial-, o e-livro oferece uma série de pequenas vantagens que merecem consideração. Para o viajante é infinitamente mais cômodo enfiar os 12 títulos que pretende ler nas férias numa maquininha de 650 gramas do que carregar cerca de 10 quilos na mala. Também pode significar a diferença entre o divórcio e a união feliz para aqueles casais em que um gosta de ler até tarde. Com a tela luminosa, pode fazê-lo no escuro, sem incomodar o outro.
A questão fica mais complicada quando se analisa o mercado editorial propriamente dito. Com o e-livro, no limite, eliminam-se os editores. Quase sem custos, qualquer autor pode colocar seus títulos diretamente numa livraria virtual. É uma nova era na liberdade de expressão, que já não esbarra tanto em limitações econômicas. É evidente que há um preço a pagar: se já se escreveu e editou muito lixo ao longo da história, a quantidade de detritos literários tende agora a crescer exponencialmente.
Se Tomás de Aquino temia o homem de um só livro, há razões de sobra para também temer o homem de muitos livros equivocados. Como, porém, não se podem -nem é desejável- estabelecer juízes para decidir o que é bom ou ruim, que se aproveite a nova democracia literária.



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