São Paulo, domingo, 09 de abril de 2000


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Carta a Cláudio Abramo

CLÓVIS ROSSI

São Paulo - Cláudio Abramo, notável jornalista e ser humano, pediu, em um dos últimos textos por ele assinados neste espaço, antes de morrer em 1987, que os jornalistas não perdêssemos a capacidade de indignação.
Caro mestre, juro que tentei seguir sua lição. Mas confesso que está ficando mais e mais difícil. Não que falte, neste país, matéria-prima para a indignação. Ao contrário, sobra.
Grande parte dela vem das condições sociais da maioria, que você tanto fustigou. Outra boa parte vem das maracutaias da elite dirigente, política ou não, que você também não deixou nunca de atacar. Como você vê, a matéria-prima para a indignação não mudou muito desde a sua morte.
É isso que desanima, caro mestre. É verdade que eu nunca acreditei muito nessa história de que a imprensa é o "Quarto Poder". Mas os fatos mais recentes põem uma pá de cal definitiva nessa qualificação. A poderosa Rede Globo voltou todos os seus canhões contra um tal de Celso Pitta (e, ainda por cima, com toda a razão). Não adiantou nada.
A criminalidade, de colarinho branco ou não tão branco, invadiu o espaço público de tal maneira que acredito não exagerar ao dizer que o seu Brasil vive um processo de "colombianização". Aliás, talvez até ofenda os colombianos ao fazer a comparação.
Com maior ou menor vigor, os jornais e, mais recentemente, até as TVs têm noticiado todos os escândalos. Aliás, você até ficaria chocado ao ver o noticiário político, seu preferido, transformado em noticiário policial.
Como nada acontece, exercitar a indignação, como você pedia, vai-se transformando num fim em si mesmo. Estou pensando em me render porque não sei por quanto tempo mais poderei obedecer a seu comando e manter viva a indignação. O que fazer?
PS - Decidi melhorar o nível da coluna pelas duas próximas semanas: viajo para a Austrália a convite do governo australiano e só volto a escrever quando retornar.


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