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Carta a Cláudio Abramo
CLÓVIS ROSSI
São Paulo - Cláudio Abramo, notável jornalista e ser humano, pediu, em
um dos últimos textos por ele assinados neste espaço, antes de morrer em
1987, que os jornalistas não perdêssemos a capacidade de indignação.
Caro mestre, juro que tentei seguir
sua lição. Mas confesso que está ficando mais e mais difícil. Não que falte,
neste país, matéria-prima para a indignação. Ao contrário, sobra.
Grande parte dela vem das condições sociais da maioria, que você tanto
fustigou. Outra boa parte vem das maracutaias da elite dirigente, política ou
não, que você também não deixou
nunca de atacar. Como você vê, a matéria-prima para a indignação não
mudou muito desde a sua morte.
É isso que desanima, caro mestre. É
verdade que eu nunca acreditei muito
nessa história de que a imprensa é o
"Quarto Poder". Mas os fatos mais recentes põem uma pá de cal definitiva
nessa qualificação. A poderosa Rede
Globo voltou todos os seus canhões
contra um tal de Celso Pitta (e, ainda
por cima, com toda a razão). Não
adiantou nada.
A criminalidade, de colarinho branco ou não tão branco, invadiu o espaço público de tal maneira que acredito
não exagerar ao dizer que o seu Brasil
vive um processo de "colombianização". Aliás, talvez até ofenda os colombianos ao fazer a comparação.
Com maior ou menor vigor, os jornais e, mais recentemente, até as TVs
têm noticiado todos os escândalos.
Aliás, você até ficaria chocado ao ver o
noticiário político, seu preferido,
transformado em noticiário policial.
Como nada acontece, exercitar a indignação, como você pedia, vai-se
transformando num fim em si mesmo.
Estou pensando em me render porque
não sei por quanto tempo mais poderei obedecer a seu comando e manter
viva a indignação. O que fazer?
PS - Decidi melhorar o nível da coluna pelas duas próximas semanas: viajo para a Austrália a convite do governo australiano e só volto a escrever
quando retornar.
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