São Paulo, quinta-feira, 09 de maio de 2002 |
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TENDÊNCIAS/DEBATES O macaco e o peixe
ALBERTO SILVA FRANCO
Como observa Zygmunt Bauman ("Globalização", Jorge Zahar Editor, Rio de Janeiro), "o que sugere a aceleração da punição através do encarceramento (...) é que há novos e amplos setores da população visados por uma razão ou outra como uma ameaça à ordem social e que sua expulsão forçada do intercâmbio social através da prisão é vista como um método eficiente de neutralizar a ameaça ou acalmar a ansiedade pública provocada por essa ameaça". Além disso, a confiança na prisão como instrumento destinado a resolver "os problemas definidos como irritantes ou provocadores de ansiedade" se transformou "em importante questão de disputa eleitoral: as forças em confronto, mesmo que um abismo as separe em questões polêmicas, tendem a manifestar um acordo completo" a respeito da prisão; e "a única preocupação publicamente exibida é a de convencer o eleitorado de que será mais decidida e impiedosa em prender criminosos do que seus adversários políticos". Foi essa a linha de atuação da Comissão Parlamentar Mista Especial, na qual direita e esquerda unificaram seus discursos e bateram na mesma tecla repressora: criação de um grande número de figuras criminosas; alargamento, de forma desmesurada, de penas já cominadas em relação a outros tipos; e reformulação substancial do Código de Processo Penal, sob pretexto de evitar a morosidade da Justiça. E tudo isso sem nenhum cuidado técnico na estruturação tipológica; com um desequilíbrio ainda maior do já desequilibrado sistema punitivo brasileiro; com a introdução de modificações extremamente perigosas no sistema processual penal, que atentam contra garantias constitucionais há muito consagradas; e com o objetivo, através de uma representação dramatizada da sociedade brasileira, de aquietá-la simbolicamente. Não cabe, nos limites deste artigo, discutir os vários absurdos contidos nos projetos aprovados pela comissão, mas, diante da missão salvacionista que os congressistas, às vésperas do período eleitoral, se impuseram e das propostas esdrúxulas apresentadas, vem a pêlo a história ouvida de um aldeão africano, narrada em entrevista de Mia Couto no jornal "El País", em 28 de abril último: Um macaco estava à beira de um rio e viu um peixe dentro d'água. E disse: "O animal está se afogando". Então, meteu a mão na água e o apanhou. O peixe começou a se agitar. O macaco, então, disse: "Como o peixe está contente!". Quando o peixe morreu, o macaco falou: "Que pena! Se eu tivesse chegado antes...". Alberto Silva Franco, 70, desembargador aposentado, é vice-presidente do Instituto Brasileiro de Ciências Criminais e membro da Associação Juízes para a Democracia. Texto Anterior: TENDÊNCIAS/DEBATES Orestes Quércia: PMDB livre de coligação Próximo Texto: Painel do Leitor Índice |
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